Florada do Ipê branco

Esses dias, finalzinho de agosto, entre 26 e 28, vivemos a plenitude da contemplação do ipê branco no nosso jardim. Foram dias de muita alegria e satisfação. Há muitos mitos e histórias sobre os ipês. Alguns falam que floreiam para alegrar e entusiasmar as pessoas nos dias mais frios e sombrios do intenso inverno. Fotografamos de diversas maneiras e em tempos diferentes. 
Lá, bem encima no topo do ipê branco, há dois ninhos de bem-te-vi. Eles dão rasante nas floreiras, na água e vivem felizes no nosso quintal. Nós ganhamos esse ipê do Senhor, já falecido Antônio Sartori, proprietário da antiga e hoje, tão moderna e atualizada, loja Vitória Régia Garden. Um dos pacientes do meu esposo foi até em casa e ele mesmo o plantou. E esses dias, tão especiais para nós, se tivesse vivo, iria se regalar em satisfação. 
Esperaremos todo ano a florada do nosso ipê branco. O tempo da florada dura uma semana. A sua beleza é tão grande e mágica que é mais do que o suficiente. Aproveitamos cada momento, de dia e de noite, em todos os seus momentos. Inicialmente são milhares de “funilzinhos” nas pontas de seus galhos. E vão se abrindo, lentamente, de repente abrem-se todos de uma vez. Daí viram um show e um gratuito buquê. 
Freud, em seu texto Transitoriedade (1916), compartilha a arte de saber usufruir dos simples e ínfimos tesouros que a natureza nos oferece. Um pouco dele: Algum tempo atrás, fiz um passeio por uma rica paisagem num dia de verão, em companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem, mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário que nos rodeava, porém não se alegrava com ela. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava condenada à extinção, pois desapareceria no inverno, e assim também toda a beleza humana e tudo de belo e nobre que os homens criaram ou poderiam criar. Tudo o mais que, de outro modo, ele teria amado e admirado, lhe parecia despojado de valor pela transitoriedade que era o destino de tudo. Sabemos que a tal preocupação com a fragilidade do que é belo e perfeito pode dar origem a duas diferentes tendências na psique. Uma conduz ao doloroso cansaço do mundo mostrado pelo jovem poeta; a outra, à rebelião contra o fato constatado. Não, não é possível que todas essas maravilhas da natureza e da arte, do nosso mundo de sentimentos e do mundo lá fora, venham realmente a se desfazer em nada. Seria uma insensatez e uma blasfêmia acreditar nisso. Essas coisas têm de poder subsistir de alguma forma, subtraídas às influências destruidoras. Ocorre que essa exigência de imortalidade é tão claramente um produto de nossos desejos que não pode reivindicar valor de realidade. Também o que é doloroso pode ser verdadeiro...
Contestei a visão do poeta pessimista, de que a transitoriedade do belo implica sua desvalorização. Pelo contrário, significa maior valorização! Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo. A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade... Quanto à beleza da natureza, ela sempre volta depois que é destruída pelo inverno, e esse retorno bem pode ser considerado eterno, em relação ao nosso tempo de vida... O valor de tudo quanto é belo e perfeito é determinado somente por seu significado para a nossa vida emocional, não precisa sobreviver a ela e, portanto, independe da duração absoluta. Esse texto, na integra, é muito significativo e sensível. Vale a pena lê-lo. O tempo que passei com o meu ipê branco foi eterno e pleno, enquanto durou a florada. Até...

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