“Ninguém vai dormir nossos sonhos”

Há uma canção de Nando Reis, chamada “Muito Estranho (Cuida bem de mim)”, onde ele diz que, “Porque ninguém vai dormir nossos sonhos” (2009). É uma canção muito instigante e intrigante. Podemos pensá-la sobre vários vértices. Gostaria de seguir pelo percurso dos sonhos, somente. Se você se julga, um sujeito que nada tem ou nada possui, ledo engano. Você possui os sonhos. Quando você dorme, sonha e esse sonho é de sua propriedade (autoria). Jamais alguém sonhará seus sonhos. Eles são estritamente genuínos e somente seus. Em 1901, Freud escreveu “Sobre os sonhos”, dizendo “o sonho é guardião do sono” e o “sonho é do sonhador”. É preciso dormir profundamente para sonhar (Sono R.E.M). Hoje sofremos com a incomoda insônia. As pessoas estão mais operativas, automáticas, reativas e racionais; uma geração da busca pelo prazer momentâneo e de forma frenética. Não há tolerância para as experiencias desconfortáveis. Temos que realizar o prazer rápido, recusamos qualquer evidência de tédio. A preocupação pelo TER ao invés de SER tira o nosso sono, assim sendo, não estamos mais sonhando. Não dormir é não sonhar. Não sonhando, o descanso torna-se impossível. A consequência é: não podemos “sonhar” acordados, em vigília. Que vida pobre! O sonho desempenha muitas funções. Ele é a via régia do inconsciente. Ele propicia, segundo Hanna Segal, a expressão em fantasia, de um conflito inconsciente e busca uma solução em fantasia -uma satisfação do desejo. Quando nos lembramos de um sonho, mantemos comunicação com expressões simbólicas do inconsciente. O mais importante é que, no processo analítico essa comunicação interna torna-se também um meio de comunicação com o analista. O trabalho onírico é parte da elaboração do conflito inconsciente. Ele também propicia uma comunicação intrapsíquica entre o inconsciente e o consciente. Quão grande é a tarefa do ego na realização do trabalho psíquico-trabalho onírico-envolvido no sonho! Preconizando Freud (1901), desde que tomamos conhecimento da sexualidade infantil, que muitas vezes é discreta em suas manifestações e geralmente ignorada e mal compreendida, podemos dizer que quase todo individuo civilizado mantem configuração infantil da vida sexual em algum ponto, e compreendemos, assim, que os desejos sexuais infantis reprimidos forneçam as mais robustas e frequentes forças motrizes para a formação dos sonhos. Em nosso ofício de psicanalistas, os sonhos sempre serão muito bem-vindos, não dispensamos indagar ao sonhador sobre as associações relativas ao seu sonho. Podemos auxiliá-los com a técnica de interpretação. O conteúdo onírico latente sofre o trabalho do sonho e o sonhador lembra-se do conteúdo onírico manifesto. O sonho passa por um complexo trabalho e não nos oferece o significado com simplicidade. Há condensações e deslocamento, ou seja, todo um trabalho de disfarce a ser desvendado. Afinal, tornar o inconsciente, consciente, é maravilhoso, mas é preciso uma longa formação para um vir a tornar-se psicanalista.

 


 

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