O banzo e a “depressão” dos negros escravizados 

OPINIÃO - Eder da Silva Santana

Data 19/11/2020
Horário 04:36

Desde que o homem iniciou o registro escrito dos acontecimentos, temos o advento da História, que passou a respeitar uma cronologia. É relativamente comum vermos referência a fatos históricos, ou ainda ao uso de palavras e expressões deslocados do real tempo histórico. A esse descompasso histórico, chamamos anacronismo (junção das palavras gregas aná – erro e Kronós – deus do tempo e rei dos titãs, da mitologia), ou seja, erro cronológico.
A literatura especializada refere-se que muitos negros escravizados adoeciam e morriam de banzo, descrito na época como uma melancolia profunda, que em tempos atuais poderíamos chamar de depressão.
O advogado Luiz Antonio de Oliveira Mendes teria sido um dos pioneiros no registro ortográfico da palavra em questão, escrevendo para a Real Academia das Ciências de Lisboa, em 1793: "Das doenças crônicas... uma, e das principais moléstias crônicas, que sofrem os escravos, a qual pelo decurso do tempo os leva à sepultura, vem a ser o banzo. O banzo é um ressentimento entranhado por qualquer princípio, como por exemplo: a saudade dos seus, e da sua pátria; o amor devido a alguém;... a cogitação profunda sobre a perda da liberdade; a meditação continuada da aspereza com que os tratam; o mesmo mau trato, que suportam; e tudo aquilo que pode melancolizar...". 
Embora a expressão “depressão” seja relativamente atual, em relação à escravização negra no Brasil, esse sentimento melancólico, essa tristeza profunda da privação da liberdade é, então, sentimento muito antigo e recorrente no Brasil colônia.
Estamos compartilhando essas reflexões com os caros leitores, já que se aproxima o Dia da Consciência Negra, e, em pleno século XXI, pode ser visto o recrudescer de expressões como: “Negros, voltem para a África”, tanto no Brasil, quanto em alguns países europeus. 
Tais expressões, e agora poderíamos nos referir a elas como “racistas”, são, ao mesmo tempo descabidas e anacrônicas. Descabidas, pois refletindo sobre a história, é justamente a saudade de sua terra natal, solo africano, de onde foram arrancados, uma das causas do banzo e para lá retornariam, de bom grado, se outrora pudessem. Anacrônico, porque, atualmente, nascidos no Brasil, em solo pátrio, são brasileiros. O mesmo ocorre para os filhos de outros povos, onde também se registram atitudes racistas similares.
O sentimento de rejeição dói na alma de qualquer ser humano. Todos nós, componentes da mesma raça (a humana) temos sérias e profundas responsabilidades na formação de uma sociedade justa e igualitária, que respeite a diversidade e lute pela equidade, além de promover o sentimento de pertencimento a sua nação.
A luta continua e está longe de ser anacrônica. Viva, Zumbi.
 

Publicidade

Veja também