O sertão não é longe daqui 

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 27/08/2023
Horário 04:30

O sertão povoa o imaginário de muita gente – nordestinos, caipiras paulistas, gaúchos, goianos, mineiros e pantaneiros. E a música popular, a televisão em rede nacional, o cinema cuidaram de imprimir na alma de cada brasileiro e brasileira uma miríade de significados e sentimentos envolvendo memórias e narrativas de nossas identidades com o sertão. Quer dizer, sertões. O meu sertão onírico é uma mistura divertida da fronteira multicultural entre Minas Gerais e a Bahia. Não posso ouvir uma sanfona sem um remolexo, um bamboleio do corpo equilibrado no arrasta pé. Salve os cerradeiros, os negros aquilombados, os indígenas, os barranqueiros/ribeirinhos lá dos cantos dos Buritizais. Por causa de vocês uma zabumba pulsa dentro do meu peito.
Não deve haver outro motivo que explique por que razões a programação sertaneja do Sesc tenha me tocado tão profundamente. Eu e um público bem diverso. Muitos casais dos bairros populares vieram ensinar para a mocidade o verdadeiro forro de pé de serra conhecido pelas famílias nordestinas que ajudaram a construir a nossa cidade. Mas também o rebola-rebola contagiou muitos estudantes universitários, crianças com os pais, mulher com mulher, mulheres trans e ativistas, enfim, um salão onde todos os corpos dançavam e se conduziam. 
A programação começou com o Trio Mandacarú com o típico forró pé de serra e sua inspiração no universo cultural do Brasil rural sertanejo. Zabumba, sanfona de oito baixos e um triângulo. Simples assim. E dá-lhe Luiz Gonzaga! Depois foi a vez das Comadres, grupo de forró formado somente por mulheres, valorizando as mestras e compositoras como Marines, Anastácia e Elba Ramalho. Muita coragem, novos conceitos e mistura de outros ritmos como o coco, o boi, às vezes um forró mais suingado. E As Comadres roubaram a cena num espetáculo geralmente dominado pelo machismo. Por fim, a programação foi coroada pelo show eletrizante do sergipano Mestrinho e suas referências mais contemporâneas como Dominguinhos (seu grande mestre), Sivuca, Hermeto Pascoal. Parecia que a sanfona era grudada no corpo esguio daquele cabra da peste. 
Bem, ficou faltando um forró mais pisadinho de artistas populares como o Zé Vaqueiro com seu teclado eletrônico. Mas aí já são outras tendências na fronteira das festas de tecnobrega e bailes funk. É o Brasil que não cansa de se reinventar. “Chora sanfona sentida em meu peito gemendo. Vai machucando e meu peito de amor vai morrendo. Quanto mais choras me entrego todinha ao amor. E teu gemido disfarça em minha alma essa dor”. 
 

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