É preciso comemorar 

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 29/05/2022
Horário 04:30

Com o texto publicado na semana passada, atingi a marca de 100 crônicas no jornal de domingo. É preciso comemorar, não é verdade? 
Quando cheguei em Presidente Prudente, em 1990, jamais imaginei que a  produção de crônicas faria parte da minha rotina semanal. Fiquei relendo os textos e senti um certo estranhamento, como na condição do estrangeiro diante do eterno descompasso entre o estar e o ser. Quem sou eu ali?
Lembrei-me das situações vividas por quem procurou manter-se em isolamento social durante a pandemia e da falta que fez a convivência com os vizinhos e a participação em manifestações políticas e culturais das mais diversas realizadas nos espaços públicos. Procurei indagar acerca dos minúsculos agentes infecciosos do tamanho de 50 a 200 nanômetros de diâmetro - chamados de vírus Sars-CoV2, que colocaram de joelhos todo o sistema mundial. Também procurei questionar qual é o lugar da força humana na ordem dessas coisas. Eu fiquei pensando na natureza das relações humanas e na capacidade de saber esperar longo tempo, assim como nas escolhas que fizemos em nossas vidas.
E foi daí que me dei conta do novo universo que estamos submersos. De um lado, o giz branco que risca e delimita os círculos que piso e que guardam memórias de outros lugares. De outro, o algoritmo que desenha de forma cada vez mais precisa as nossas informações, os nossos gostos, as nossas bolhas. 
O que importa é que, independente do que escrevi, a vida foi vivida ou pelo menos lutou para continuar sendo vivida. O ato de escrever tem sido uma espécie de experiência corporal que aguça os ouvidos diante do conjunto das relações criadas, delimitadas e sustentadas por nós mesmos. No meu caso, como foi prazeroso reencontrar  a força do mar que vibra dentro de mim! Especialmente, a forte atração que sinto pela beira mar e tudo que resolve se encontrar por ali. Gravetos e fragmentos de embarcações distantes. Conchas de diversos tamanhos e cores. Embalagens abandonadas por banhistas mal educados. 
Bem, eu prefiro os trechos onde os rios encontram o mar. Quanta ousadia dos rios que ousam enfrentar as ondas do mar e até adentrar oceano afora por algumas centenas de metros!  Aos poucos, generosamente, o mar cede a resistência e se deixa misturar pelas águas doces dos rios. E desse namoro nasce o mangue, brincam os caranguejos, dançam as aves. Daí me sinto revigorado para iniciar um novo ciclo lá nas terras das nascentes, do olho d’água dos córregos pequenos. Diria eu: é a terra onde eu vivo, onde enterrei meu umbigo. 

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