Professor da Unesp aborda questão agrária e racial no Brasil em livro

Eduardo Paulon Girardi expõe que obra mostra como os dois problemas estão relacionados e que a solução para ambos deve ser pensada em conjunto, com políticas públicas afirmativas

REGIÃO - DA REDAÇÃO

Data 18/09/2022
Horário 09:12
Foto: Cedida
“A indissociabilidade entre a questão agrária e a questão racial no Brasil”
“A indissociabilidade entre a questão agrária e a questão racial no Brasil”

O geógrafo e professor do Departamento de Geografia da FCT/Unesp (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista), de Presidente Prudente, Eduardo Paulon Girardi, acabou de lançar, no último mês de julho, o livro “A indissociabilidade entre a questão agrária e a questão racial no Brasil”, que pode ser baixado gratuitamente no site do Atlas da Questão Agrária Brasileira (www.atlasbrasilagrario.com.br). 
Lançado pela Editora Cultura Acadêmica, da Unesp, de acordo com o autor, a ideia de escrever o livro surgiu com os resultados do Censo Agropecuário 2017 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), que, segundo ele, foi o primeiro da história a levantar informações sobre a raça/cor dos produtores agropecuários. 
Conforme o professor, só então foi possível realizar um estudo atual e que abrangesse todo o Brasil sobre o tema. Para o geógrafo, abordar a questão agrária e a questão racial é importante, porque o Brasil nunca enfrentou de fato esses dois grandes (e talvez os maiores) problemas da sociedade brasileira. “A questão agrária e o racismo estão presentes no dia a dia de todos e de tudo no país, embora as pessoas não consigam enxergar como a permanência desses dois problemas corrói a sociedade brasileira e as potencialidades de nos tornarmos um país melhor para todos”, expõe Eduardo, complementando que o livro mostra como os dois problemas estão relacionados e que a solução para ambos deve ser pensada em conjunto, com políticas públicas afirmativas.
Eduardo explica que o livro foi elaborado com base na discussão conceitual e histórica e com a análise de dados coletados em várias fontes, mas, principalmente, no IBGE. Parte das questões teóricas e históricas estão relacionadas com trabalhos que ele já havia desenvolvido antes, mas que agora tomaram a questão racial como foco. 
“Os dados foram analisados e transformados em gráficos e mapas. O mapeamento das informações foi crucial para entender que a relação entre questão agrária e racial possui uma expressão regional, sendo mais grave em algumas regiões do país. Assim, além da conclusão geral, o leitor pode ver como o problema se manifesta regionalmente no país de diferentes formas”, salienta.

Racismo fundiário

Segundo o professor e autor, a escala de análise do livro é o Brasil e não aborda especificamente a região de Presidente Prudente. Contudo, nos mapas, a região da cidade aparece sempre com os piores indicadores de equidade entre a porcentagem da população rural negra e a porcentagem da terra sob domínio dos produtores negros. 
“Para esta reportagem, fiz o levantamento específico para a mesorregião geográfica de Presidente Prudente. Os resultados são os seguintes: a população rural negra na região é de 44,3% e a área dos estabelecimentos agropecuários sob domínio dos negros é de 9%. Trata-se de uma diferença de 35,3 pontos percentuais, maior, portanto, do que a média nacional, cuja diferença é de 32,7 pontos percentuais”, explica o geógrafo, apresentando a conclusão então de que Prudente é uma das regiões com maior racismo fundiário no Brasil, conforme mostra também o mapa 11 do livro.

Histórico e atual

Eduardo diz que o livro discute o racismo estrutural da sociedade brasileira e a sua ligação com a questão agrária, historicamente e na atualidade. Segundo ele explica, historicamente, racismo e questão agrária estiveram presentes nas estratégias para a exploração da mão de obra e para a apropriação concentrada da terra por poucos homens brancos, com marcos importante no escravismo “na Lei de Terras de 1850 [que cercou a terra, já que os negros não teriam dinheiro para comprá-la], na Lei Áurea [que libertou os escravizados sem lhes fornecer sequer um mínimo de terra para sobreviver], e na política de substituição da mão de obra dos negros pelos imigrantes europeus no final do século 19 e início do século 20”, explana. 
No caso da atualidade, ele diz que o livro analisa a discriminação dos negros no acesso à terra e conclui que os negros têm muito menos terra do que deveriam ter, proporcionalmente. Enquanto representam 61% da população rural, os negros detêm apenas 28,3% da área dos estabelecimentos agropecuários. Os brancos, ao contrário, apesar de representarem 36,3% da população rural, controlam 59,4% das terras. 
“Há, portanto, uma forte discriminação dos negros no que diz respeito à apropriação da terra no Brasil. Mas o problema não está apenas na quantidade. As melhores terras, das regiões economicamente mais dinâmicas e com a melhor infraestrutura estão nas mãos de brancos, enquanto as piores, em regiões economicamente menos dinâmicas e com pior infraestrutura estão nas mãos dos negros, no geral, no Norte e Nordeste do país”, relata. 

Acesso à obra

O escritor menciona que o livro que foi produzido durante a pandemia e foram necessários cerca de seis meses até sua conclusão, conta com muito gráficos e mapas, que são, na obra, a linguagem privilegiada para a comunicação das informações e até mesmo para a pesquisa.
“Apesar de ser uma obra científica, a linguagem é muito simples e pode ser acessada por um público bastante amplo, não sendo direcionada exclusivamente para o mundo acadêmico. O trabalho é endereçado a todos que estejam dispostos a saber um pouco mais sobre o Brasil, especificamente sobre a questão agrária e a questão racial”, cita o escritor.

SERVIÇO
Aos interessados, o livro foi publicado exclusivamente no formato digital PDF e pode ser baixado gratuitamente no site do Atlas da Questão Agrária Brasileira (www.atlasbrasilagrario.com.br). “No site do Atlas, que é um trabalho maior também de minha autoria, o leitor poderá acessar todos os mapas do livro em alta resolução”, orienta. De acordo com o autor, os negros também têm os piores indicadores de condições de vida e de produção no campo. “Trata-se, portanto, de uma questão urgente a ser encarada pelos governos”, frisa.

Foto: Cedida

Eduardo Paulon Girardi é geógrafo e professor do Departamento de Geografia da Unesp

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