“Sinto que a minha existência nesse planeta tenha um propósito humanitário e ambiental”

Thiago Luiz Santos da Silva, desenvolvedor de permacultura

Personagem - OSLAINE SILVA

Data 29/11/2020
Horário 04:00
Foto: Cedida
Para Thiago foi uma realização poder ajudar a apagar as chamas que estavam consumindo o Pantanal
Para Thiago foi uma realização poder ajudar a apagar as chamas que estavam consumindo o Pantanal

Desde criança, ele dormia e acordava abraçado aos livros de história e de biologia. Esse é Thiago Luiz Santos da Silva, um jovem baiano de 25 anos, morador de Presidente Prudente, que procura fazer a diferença e está sempre disposto a ajudar os outros. Incomodado com as queimadas no Pantanal, por exemplo, ele foi para lá como voluntário, com R$ 10 no bolso para auxiliar no combate às devoradoras chamas. E ele tem um grande sonho: levar seu projeto de permacultura para o Quênia (África), para ajudar a combater a fome do lugar. Sabendo disso, a equipe do site Razões Para Acreditar lançou uma vaquinha para que ele consiga custear sua ida e volta. 

O que faz da vida além de ajudar as pessoas, Thiago? 
Hoje eu sou um microempreendedor individual, tenho uma empresa de jardinagem ecológica e venda de mudas e sementes nativas e crioulas. Envio sementes de plantas alimentícias convencionais e não convencionais (pancs) para todo Brasil e participo de algumas redes de guardiões de sementes não transgênicas e não modificadas geneticamente. Trabalho com o que eu mais amo, que são as plantas e as relações ecológicas proporcionadas por elas. Estou cursando o 4º termo do curso de Ciências Biológicas e atuo como orientador externo de projetos relacionados ao meio ambiente na Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Por que se dedicar a causas filantrópicas? 
Sinto que a minha existência nesse planeta tenha um propósito humanitário e ambiental. Cada pequena ação que eu faço em prol da humanidade e da natureza me faz transbordar de felicidade e realização. 

Como começou o seu envolvimento com a permacultura e o que é esta atividade?
O meu primeiro contato com a permacultura foi em 2018, mesmo ano em que comecei um projeto de hortas urbanas no Residencial Itapuã em Prudente. Foi aí que passei a me aprofundar nas áreas relacionadas ao desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente. O que mais me chamou a atenção quando tive o primeiro contato com a permacultura foi a forma com que as ciências ambientais, sociais e biológicas interagem, de forma integrada, coletiva e colaborativa.

O que encontrou na permacultura?
Uma alternativa de vida consciente, sustentável e altamente planejada, dos maiores aos mínimos detalhes. Em 2019 fiz o meu primeiro curso de introdução à permacultura, ministrado pelo professor Dr. Fernando Okimoto, docente na FCT/Unesp (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista). Após retornar do combate às queimadas no Pantanal, fui convidado para participar do PDC (um curso de design em permacultura) de Primavera na Escola de Permacultura em Baependi (MG), durante 12 dias, onde os participantes aprendem sobre bioconstrução, captação e armazenamento de energia (solar, eólica, hídrica, biológica, etc.), produção de alimentos de forma agroecológica e regenerativa, entre várias outras áreas relacionadas ao tema sustentabilidade.

Quando traçou sua ida ao Quênia como um plano de vida?
Em 2019 conheci o projeto social Caso África pelas redes sociais e descobri que o diretor e fundador era meu amigo no Facebook. Peter Tosho, através do esporte e da educação de comunidades carentes da região, realiza várias ações sociais em Capengúria, no Quênia, com crianças e adolescentes. Esse ano ele me convidou para desenvolver um projeto de permacultura lá, e decidi encarar essa empreitada. Um projeto permacultural visa, antes de tudo, o aproveitamento máximo de todos os recursos disponíveis na natureza, porém, não de forma exploratória e sim compensatória, tanto para as pessoas quanto para o meio ambiente. Quando a equipe do Razões Para Acreditar entrou em contato e perguntou qual era o meu sonho, não pensei duas vezes em dizer que o meu sonho é ir ao Quênia ajudar a combater a fome e a miséria naquele país. 

Por que o Quênia?
Muitas pessoas me questionaram, por que o Quênia e não o Brasil? A minha resposta é que eu comprei uma causa e sinto como se estivesse em uma missão e serei fiel a quem me convocou, à minha consciência. As maiores favelas da África estão localizadas no Quênia e as condições de vida de mais de 60% da população do país é extremamente precária, sem saneamento básico, alimentação nutricional adequada, construções e moradias dignas. É nesse contexto que a permacultura entra em ação e organiza aquilo que está "desorganizado" de acordo com os padrões naturais dos ambientes ecologicamente sustentáveis.

Que trabalho pretende desenvolver naquele lugar?
Ações como implantação e manejo de hortas agroflorestais, construção de sistemas de saneamento básico sustentáveis e integrados à produção de alimentos. Será criado um banco de sementes na sede da ONG (organização não governamental) para receber sementes da região e distribuir as variedades coletadas para os produtores locais. Pretendo imprimir cartilhas e minicursos impressos em papel para que a comunidade possa usá-las para dar continuidade às propostas que serão executadas durante o tempo que eu estiver em Capengúria. Planejo fazer parcerias e propostas para influenciadores sociais locais para que esse projeto de permacultura seja bem conduzido após a minha volta ao Brasil. Ficarei três meses no Quênia e quero trabalhar intensamente durante esse tempo para que a minha presença naquele lugar cause um impacto social, mesmo que seja em uma pequena comunidade carente.

Como é poder contar com o apoio de uma vaquinha do Razões para Acreditar?
A equipe do canal Razões Para Acreditar faz um excelente trabalho de solidariedade às causas ambientais e foi através da visibilidade que deram a causa que eu comprei a ideia do Pantanal e agora esse apoio e incentivo que eles estão me dando para ir ao Quênia, que eu posso continuar acreditando que a união faz a força. A vaquinha solidária do Razões Para Acreditar é como uma grande ponte que une milhares de pessoas que querem ajudar outras milhares que precisam. Se não fosse por essa visibilidade e incentivo eu não sei como conseguiria realizar esse sonho.

Como conseguiu chegar ao Pantanal? 
Já havia semanas que eu não estava mais suportando ligar a TV e assistir o Pantanal queimando enquanto eu estava sentado no sofá com um controle na mão e um copo d’água na outra. Eu me senti capaz de apagar um pouco daquele fogo, de ajudar a salvar a vida de um animal, uma planta, uma semente, um inseto. Se eu salvasse um só animal ou planta já me sentiria satisfeito. E foi nesse momento que decidi ir para o Pantanal mato-grossense ser voluntário no combate às queimadas. Mas, eu não tinha sequer o valor da passagem. Foi aí que me lembrei do programa do governo federal que disponibiliza vagas gratuitas em ônibus interestaduais para jovens de 15 a 29 anos que não trabalham ou que ganham menos que três salários mínimos. Então, paguei apenas R$ 25 da taxa de embarque e dos pedágios de Prudente a Cuiabá. Quando eu cheguei a Poconé, fui recebido pela secretária de Meio Ambiente da cidade, que providenciou uma pousada conveniada com a Prefeitura, e no dia seguinte os meus amigos entraram em contato com o dono da Pousada Aymara, que fica no coração do Pantanal norte, entre a Transpantaneira e o Parque Estadual Encontro das Águas. E lá fiquei hospedado lá durante 12 dias, juntamente com equipes do Corpo de Bombeiros, fuzileiros navais, força nacional e voluntários de diversas partes do Brasil, entre eles, baianos (como eu), pernambucanos, paranaenses, paulistas, maranhenses, entre várias outras origens.

O que fez por lá como voluntário? 
Nos primeiros dias como brigadista voluntário, participei do monitoramento de pontos de calor e pequenos focos de queimadas, sob a orientação e acompanhamento do Corpo de Bombeiros e soldados da Marinha, abertura de aceiros e isolamento de áreas de risco afetadas pelo fogo, resfriamento de focos com risco proeminente de expansão, entre outras ações que serviram como treinamento para o que enfrentamos nos dias seguintes. Por volta do quarto dia combatendo as queimadas, o cenário de onde estava parecia de um campo de batalha, em que um inimigo cruel, cujo enfrentamento estava se tornando cada vez mais intenso, de dia e de noite. Cheguei a trabalhar durante 18 horas sem parar em um dia que eu considero o mais crítico durante todo o período que participei do combate às queimadas. Pude auxiliar os bombeiros e fuzileiros na abertura de picadas no mato para o alcance às áreas de difícil acesso.

Seu trabalho braçal ajudou nessa experiência?
Graças à experiência com o facão que eu tive no nordeste e ao sentimento de colaboração naquele momento, pude desempenhar um papel crucial no auxílio aos combatentes naquela guerra. Também usamos ferramentas como picaretas, enxadas e pás cortadeiras para abertura de aceiros de acesso e de retaguarda nos locais de risco. Até nisso valeu a experiência de todos os trabalhos braçais que eu já enfrentei na vida.

Salvou algum animal? 
Tive a oportunidade de salvar um quati que estava com as patas totalmente queimadas e já havia dias que estávamos o observando e tentando capturá-lo, mas não tínhamos o anestésico e a zarabatana para imobilizá-lo antes da captura. Foi necessário me arrastar pelos galhos secos de um cipozal, segurá-lo pelo rabo e colocá-lo dentro de uma caixa para pets, e, com o apoio de uma equipe de veterinários foi possível anestesiá-lo e medicá-lo corretamente! 

Trouxe alguma planta nativa?
Sim. Pude coletar uma grande quantidade de sementes de espécies nativas, endêmicas no bioma do Pantanal, com o intuito de utilizá-las em projetos de revitalização das áreas degradadas na região. Coletei principalmente sementes de plantas que desempenham um papel crucial na sustentação de toda biodiversidade do Pantanal. No início de dezembro levarei algumas sementes crioulas de milhos, feijões, entre outras espécies alimentícias produzidas agroecologicamente para uma comunidade indígena com risco eminente de extinção próxima à cidade de Cuiabá (MT), em uma comunidade pertencente à etnia indígena dos Guatós.

Que tal falarmos um pouquinho de você! 
Sou natural do interior da Bahia, de uma região conhecida como Piemonte do Paraguaçu. Nasci em Itaberaba (nome indígena que significa pedra brilhante), aonde cresci entre a cidade e a propriedade rural dos meus pais com dois irmãos, sendo uma irmã mais velha e um irmão mais novo. Desde muito novo fui apresentado à luta pela sobrevivência, sobretudo, das plantas e dos animais no ambiente seminário da caatinga baiana. Desde criança eu dormia e acordava abraçado aos livros de história e de biologia. E por mais controverso que aquilo parecia com a realidade que eu vivia naquele momento, no local aonde eu estava e ao redor das pessoas que moravam próximas a mim, eu conseguia encontrar um sentido em cada uma das novidades que se apresentavam para mim nos livros que eu lia. Mesmo tendo estudado até a 8ª série do ensino fundamental, consegui uma boa nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), através de muito esforço, determinação e autodidatismo, pude ingressar em uma das maiores Universidades do Brasil através do ProUni. Foi com a bolsa de estudos que vim morar em Prudente e pude vislumbrar um futuro com infinitas possibilidades positivas. Quando fui me inscrever não tinha nem um computador. Tive que ir até uma lan house em uma cidadezinha próxima ao sítio onde eu morava. Fui montado a cavalo, radiante de felicidade. Quando eu descobri que havia sido selecionado, proporcionei aos meus pais uma das maiores alegrias da vida deles!

O que significa esse amor pela natureza?
Meu pai, Luiz, que é pedagogo, foi professor de história durante 15 anos em Itaberaba, mas se dedica à área de saúde atuando até hoje no Hemocentro da Bahia, comprou um sítio quando eu nasci e não tinha nenhuma árvore frutífera, nem luz elétrica, nem água encanada, nem poços de onde ele pudesse usar a água na propriedade. Então, ele decidiu aproveitar os períodos chuvosos e plantar centenas de mudas de caju, que é uma espécie nativa dos biomas mais áridos do Brasil e que é extremamente adaptada às condições climáticas e geológicas do nordeste. Eu cresci junto com milhares de plantas que ele plantou. Foi com ele que aprendi a plantar e a lutar pela vida das plantas. Graças ao meu pai eu pude ter noção ampla do valor que a vida de uma planta pode ter. Cresci puxando água de poço e carregando no carrinho de mão pra molhar as árvores que plantávamos.

Seu pai é o responsável por seu amor à natureza, e sua mãe?
A minha mãe, Elisângela, é professora infantil e desenvolve um projeto social com crianças carentes em bairros extremamente pobres de Itaberaba. Ela faz a ponte entre os grandes mercadistas e lojistas da cidade, e as famílias que necessitam de assistência social. Foi com ela que eu aprendi a ser solidário com os mais necessitados. Foi através dela que participei das minhas primeiras ações sociais com essas pessoas. Ela é uma cozinheira de mão cheia, e se sente realizada preparando grandes quantidades de comida (sempre foi assim). Quando recebe doações de grandes supermercados e transforma tudo em um verdadeiro banquete para os mais necessitados, a felicidade dela é ainda maior. Poderia ficar o dia inteiro falando de como eu admiro a minha mãe e o meu pai! Sou filho dessa mistura!

Você é casado?
Em 2018 eu me casei com a minha grande companheira e parceira, Germana, e tenho dividido os meus sonhos e projetos com ela, embora trabalhemos em áreas distintas, ela me apoia em todas as minhas iniciativas e é graças ao nosso relacionamento que tenho realizado os meus maiores sonhos e objetivos. Graças à minha esposa eu desenterrei sonhos e projetos antigos que cheguei a imaginar que jamais realizaria. Não seria metade do que sou sem o seu apoio e incentivo.

SERVIÇO
Interessados em ajudar Thiago ir para o Quênia, acessem: https://voaa.me/nordestino-projeto-quenia
Aqui está sua experiência no Pantanal, https://razoesparaacreditar.com/estudante-combate-queimadas-pantanal/.

Fotos: Cedidas

thiago, baiano que mora em presidente prudente, ajuda a salvar quati em incêndio no pantanal

No Pantanal, Thiago ajudou a salvar um quati, que estava com as patas totalmente queimadas

thiago, baiano que mora em presidente prudente, ajuda no pantanal, durante queimada

Para Thiago, experiência com o facão que teve no nordeste o ajudou no trabalho voluntário desempenhado no Pantanal

thiago trabalha com permacultura

Thiago recolhendo sementes nativas; ele trabalha com projeto de permacultura

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