“Tenho minha liberdade silenciada, minha rotina é 24 horas rodeada por policiais fortemente armados”

Lincoln Gakiya, Promotor de Justiça do Gaeco

PRUDENTE - ROBERTO KAWASAKI

Data 15/09/2019
Horário 04:30
José Reis
José Reis

 

Desde o final do ano passado, o nome dele tem sido manchete em diversos noticiários nacionais após receber ameaças de morte em cartas apreendidas em penitenciárias. Desde então, teve a segurança familiar reforçada e vive cercado de policiais fortemente armados. Lincoln Gakyia, promotor de Justiça do MP (Ministério Público) e que atua no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) desde 2008, foi o responsável pelo pedido de transferência de 22 líderes da facção criminosa que atua dentro e fora do Estado de São Paulo, a presídios federais.

O Imparcial: Qual foi o maior desafio encontrado durante essa trajetória?

Lincoln Gakiya: Principalmente, o de conhecer a fundo a estrutura organizacional da facção. O que acontecia é que quando começou o trabalho, em Presidente Venceslau, a gente trabalhava com base em apreensões de drogas, escutas telefônicas de presos da região que a gente sabia que tinha indícios de envolvimento com o grupo. O maior desafio foi esse, de descobrir o funcionamento da estrutura interna até chegar à liderança, presa de 2006 até fevereiro desse ano na P2 de Venceslau [Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira], período que antecedeu a transferência a presídios federais.

Ano passado foram divulgadas cartas de ameaças ao senhor e a outras autoridades. Após a transferência dos membros da facção, as ameaças continuaram?

Sofro ameaças desde que começou a investigação, já era escoltado desde antes. A partir do momento em que fui responsável pelo pedido de remoção do Marcola e de outros 21 líderes para presídios federais, as ameaças se tornaram mais graves. O marco foi o dia 8 de dezembro, quando foram apreendidas cartas para me matar, assim que eles fossem transferidos. Em janeiro, houve novas cartas no sentido de estar observando a rotina, não só minha, mas de integrantes da SAP [Secretaria de Administração Penitenciária], diretores, funcionários e ex-secretários. As ameaças persistem até hoje. Recentemente, novas apreensões cobravam a minha morte e de outros.

Como lida com isso? Em algum momento se arrependeu de ter tomado essa frente para transferir os membros?

Tenho minha liberdade silenciada, não tenho mais vida social para jantar fora, por exemplo, porque minha rotina é 24 horas rodeada por policiais fortemente armados. É claro que a gente não imaginava a proporção que isso iria tomar, mas, não havia outra solução a ser tomada se não o pedido de remoção da liderança. O que esperávamos [Ministério Público] em 2018 era de que o Estado de São Paulo tivesse tomado a iniciativa e não deixado para um promotor fazer. Se o governador tivesse feito, não recairia sobre mim o ônus. Além do mais, a região já estava tomada de policiais [para impedir o plano de fuga da liderança], se retirasse a polícia, o risco de resgate com morte de cidadão era evidente.

Como está a situação atual da facção? Eles escolheram outros como cabeças, ou continuam os mesmos? É possível que estoure uma guerra interna por escolha de lideranças?

Após a remoção, em 13 de fevereiro, o trabalho não terminou. Temos atuado em conjunto com a SAP, polícias Civil e Militar em várias operações com intervenções do Gaeco. A respeito das lideranças, descobrimos outros três, e eles foram removidos em maio. Em setembro, removemos mais dois para presídios federais. Hoje, as unidades prisionais são habitadas por integrantes da facção, e temos que levar em conta que nossa região está cercada de presídios, outros para inaugurar. Ainda não houve conflito interno, mas imaginamos que vai haver uma disputa pelo poder. Até então, ele continua com a cúpula que foi removida.

Mesmo distantes, ainda conseguem o controle da facção?

Eles têm dificuldades de comunicação. Alguns estão em Brasília (DF), outros em Mossoró (RN) e Porto Velho (RO), e se comunicam com familiares e advogados por meio de vídeos, monitorados com autorização judicial. Então, houve uma descoordenação, pelo menos momentânea na liderança, mas a vida segue, assim como os negócios do cotidiano.

Qual a estimativa de faturamento da facção?

Com base nas apreensões de drogas e documentos, e com valores que auferem com o tráfico de cocaína na Europa, estima-se que movimentem $ 100 milhões [dólares] anuais brutos, o que equivale a aproximadamente R$ 400 milhões por ano. Os entorpecentes saem do Brasil por meios variados, basicamente através de portos como o de Santos [SP]. Eles são transportados por contêineres. Só esse ano, foi apreendido 25 toneladas de cocaína no litoral, não especificamente da facção.

O objetivo da organização é o mesmo de anos atrás? O que mudou?

A facção teve um crescimento exponencial nos últimos anos, principalmente fora de São Paulo. Atualmente, conta com aproximadamente 27 mil integrantes fora de São Paulo e outros 10 mil dentro do Estado. Desses, estima-se que 8 mil estejam presos e 2 mil em liberdade. Mas eles não são mais os mesmos dos anos 90, quando pleiteavam melhorias nos direitos dos presos, em cumprimento de pena. Cada vez menos se observa isso, assim como greves, motins e rebeliões com superlotação. Atualmente, a organização é uma empresa criminosa, que objetiva o lucro através do tráfico de drogas.

Qual o próximo estágio que a facção criminosa pode atingir?

A facção já atua em países da América do Sul e Europa. Ela tem uma estrutura empresarial com setores muito bem definidos, finalidades de lucros, todos os requisitos que exigem uma máfia. O que eles não têm bem definido é a lavagem de capitais. Os únicos que têm o branqueamento de capitais, lavagens de capitais bem definidos são alguns dos principais integrantes. Quando obtiver essa expertise, se tornará uma organização mafiosa, isso, em termos de classificação mundial.

 

 

 

 

 

 

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