Tudo é espuma

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 02/11/2025
Horário 05:00

Quem nunca se divertiu com bolhas de sabão quando era criança? Movimentando rápido os braços, eu formava uma fila de bolhas. Algumas pareciam azuladas, outras com as cores do arco-íris, outras esverdeadas. Também tinha competição de quem fazia a bolha maior ou a que levava mais tempo para estourar. Por que as crianças têm fascínio por essas brincadeiras fugazes que se dissipam como uma bolha de sabão? Castelos de areia que serão rapidamente cobertas pela maré, pipas de papel de seda que não passam do mês de férias, barquinhos de papel nas enxurradas logo após a chuva? É que, para elas, o instante basta.  
E eu estava ali, cercado pela espuma formada pela onda do mar e pensando nesse laboratório vivo do mundo: aprender o que é leve, o que voa, o que quebra, o que escapa.  Seria a espuma do mar minúsculas bolhas de sabão conectadas numa rede tridimensional? A ciência explica que naquele caso ali não era sabão, não. Era o ar puro misturado à água, agitada pelo vai e vem das ondas. O encontro do gás com o líquido, estabilizado por substâncias orgânicas liberadas por plantas e microrganismos marinhos – lipídios, proteínas e açúcares liberados por algas microscópicas e plânctons... Que maravilha! A espuma do mar é isso, como pequenas mãos que impedem o colapso do instante. Cada minúscula bolha, um pequeno universo: gás por dentro, uma película fina de água e sal por fora. 
Pois é, a espuma nasce da tensão entre forças opostas: o tempo e a memória. O que parece apenas brincadeira das ondas é, na verdade, um pacto delicado entre elementos. E, nesse vai e vem das ondas, como um relógio líquido, a espuma é o instante em que o mar se faz leve o bastante para tocar o céu. Há algo de sagrado aí, nesse breve milagre que se forma do nada e se dissolve em silêncio. Mas aí já são os segredos do mar, o que nos ensina Iemanjá – a mãe das águas e de todos os orixás. Salve, Odoyá!
Tudo é espuma, diz o canto de Cecília Meireles: “O que se ergue e o que se esvai, o instante e o eterno, a vida e o sonho.” A espuma é o brilho breve antes do desaparecimento ou a forma que o tempo assume como uma lembrança que insiste em reaparecer, um amor que se anuncia e desaparece, uma ideia que surge e evapora antes de ser escrita. 
Subitamente, firmei bem os pés no fundo de areia e deixei a onda me engolir. E Cecília soprou de novo em meus ouvidos: “E quando a onda me cobre e me leva, fico sendo o que sou, entre o que fui e o que vou ser.”
 

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