A banalidade do mal e a  crise dos valores morais

OPINIÃO - Leonardo Delatorre Leite

Data 02/02/2022
Horário 05:00

Em sua obra “Eichmann em Jerusalém”, a filósofa alemã Hannah Arendt discorre acerca da chamada banalidade do mal, ideia segundo a qual o grande mal da contemporaneidade não consiste na violência diabólica dos vilões da literatura e de figuras históricas claramente vis e abjetas, mas da postura de indivíduos comuns diante de conjunturas injustas e funestas. 
Diante disso, a pensadora supracitada afirma que pessoas comprometidas tão somente com seus objetivos pessoais e sucesso particular abdicam facilmente de princípios éticos sólidos e genuínos, escusando-se de suas responsabilidades com justificativas fúteis, clichês e tentativas de autoengano. Por certo, o conceito desenvolvido por Arendt é de grande valia para explicação do processo de esfacelamento dos pilares morais na sociedade. 
Numa primeira análise, é importante ressaltar que a supremacia da esfera privada, a exclusividade do interesse dos indivíduos por assuntos particulares e a primazia de uma cosmovisão materialista implicam o processo de degradação das virtudes cívicas (atreladas ao bem comum) e dos valores morais clássicos (justiça, esperança, caridade, fortaleza e magnanimidade), visto que não há mais um compromisso fervoroso com princípios éticos, pois a supervalorização dos interesses pessoais acarretou a busca incessante e frenética por ganhos financeiros, prazeres efêmeros e conquistas profissionais/materiais. Desse modo, a observância dos ditames do bem não apresenta uma realidade substancial na chamada sociedade da autoexploração, expressão utilizada pelo pensador sul-coreano Byung Chul-Han para explicar a conjuntura contemporânea, marcada por ideais de produtividade, realização pelo trabalho, imediatismo, virtualidade, hedonismo e ausência de uma vida contemplativa. 
Ademais, a sociedade atual é caracterizada pelo desejo pífio por tudo aquilo que é agradável e facilmente obtido sem esforço e renúncias. Nesse sentido, as pessoas almejam uma vida sem compromissos deontológicos e, em última instância, abdicam até mesmo de valores importantes em prol de uma falsa noção de tranquilidade e estabilidade. Diante disso, Hannah Arendt resgata o ideal de banalidade do mal, já que o mal pode ser praticado sem grande esforço e seus frutos podem ser proveitosos e rápidos a curto prazo, todavia a prática do bem exige sacrifícios, isto é, doação e, principalmente, desapego de si mesmo em prol das virtudes. Destarte, a crise dos princípios morais guarda uma conexão íntima com uma visão hedonista, imediatista e egoísta. 
Em virtude do que foi apresentado, é imperioso frisar a imprescindibilidade dos valores e das virtudes em prol do bem, pois somente a prática dos princípios genuínos é capaz de promover a verdadeira felicidade e tranquilidade. Embora o caminho seja árduo, é o único meio para a consolidação da justiça. Em vista disso, afirma Santo Agostinho: "Não é bastante afastar-se do mal; é necessário ser bom. Deixar de roubar o alheio não basta, é necessário dar do que é seu. Deves afastar-se do mal a ponto de fazeres o bem”. 
 

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