A bela voz do rádio

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 05/10/2025
Horário 05:00

Depois dos meus 60 anos, descobri que amigos são poucos que levamos da vida. E Paulo Soares, o Amigão do rádio, foi um desses grandes amigos que carrego no coração. No tempo do ensino médio, no final dos anos 70, quando nos conhecemos, eu olhava admirado para aquela bela voz já definida desde os 15 anos, e já sabia que ele teria uma carreira brilhante na locução esportiva. Desde que começou a trabalhar na Rádio Clube de Araras e, logo depois, na Rádio Clube de Santos, seu percurso foi meteórico. Passou por emissoras como Record, Globo, Bandeirantes, Gazeta e ESPN. Ganhou grande projeção ao apresentar o SportsCenter ao lado de Antero Greco. Enfim, transformou-se num dos ícones do jornalismo esportivo brasileiro, nesse mundo marcado cada vez mais pela velocidade da informação.
Enquanto as manchetes correm atrás do imediato, a crônica esportiva do Amigão do rádio nos dizia: “Olhe aqui. Isso também importa”. Era, portanto, um ato de resistência. Era afirmar que a vida vale não apenas pelos grandes acontecimentos, mas também pelo instante que passa despercebido.  
Com o tempo, a vida nos levou por caminhos diferentes, como acontece com todos. Eu segui meus estudos, minhas geografias, minhas lutas; ele seguiu sua trilha pelo rádio e pela televisão. Mas a amizade, mesmo quando distante, não se perdeu. Era como aquelas músicas que você não ouve por anos e, quando voltam, estão inteiras. A amizade com Paulo era assim: não precisava de manutenção constante, bastava existir. E existia forte.
Na semana que passou fui surpreendido com a partida de Paulo Soares… Mas diferente da reportagem que busca informar, a crônica esportiva do Paulão permite ser inacabada. Muitas vezes termina em suspensão, em reticências, em perguntas sem resposta. Esse inacabado não é uma falha no Amigão: era estilo. É como dizer ao ouvinte ou telespectador: “A conversa continua em você”. E é essa dimensão coletiva que sempre me chama a atenção. A crônica esportiva de Paulo não era só dele. Era nossa. Ele sabia que o futebol é uma paixão compartilhada, que as vitórias e derrotas não pertencem a um jogador ou a um clube, mas a milhões de pessoas. Ele levava isso para a sua narração, fazendo de cada detalhe um gesto de comunhão.
Hoje, ao me sentar para escrever, percebo que esta crônica também não terá fim. Porque falar do Amigão é abrir uma conversa que seguirá comigo, com os que o ouviram, com os que ainda o ouvirão em gravações antigas. A conversa continua e continuará, enquanto houver memória.
 

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