A carruagem

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 16/08/2025
Horário 05:00

Aguardava pacientemente a chegada do carro que me levaria do escritório, localizado no centro da cidade, até o bairro das laranjeiras, onde, eu pressupunha, teria amigos me esperando para a discussão do projeto de um novo livro. Não me surpreendi, contudo, quando uma carruagem parou na minha frente, puxada, como de costume, por quatro cavalos brancos, de boa estirpe e muito belos. O cocheiro desceu e me abriu a porta, de modo que sem pensar, entrei. 
A carruagem tinha um aspecto um tanto antigo, com ornamentações rebuscadas, estilo rococó, e era bastante confortável, com um grande e macio banco de veludo vermelho. Me sentei e logo após ouvi os ruidosos passos dos cavalos, que impunham grande força e velocidade ao conjunto. Aproveitei para contemplar a vista do caos da avenida presidente Vargas, quando, surpreendentemente, fui retirado de minhas reflexões por um belo coelho branco, vestido de fraque preto, com luvas vermelhas. Perguntou-me se tinha fome ou sede, o que assenti com a cabeça, ainda estupefato. 
Um pouco depois, voltou, não se sabe de onde, com uma bandeja com um copo de água e alguns petiscos, doces e salgados, dos quais me servi, com modéstia, pois não quis contrariá-lo. O coelho ainda me disse algumas amenidades, acerca do clima sempre quente e úmido e também acerca de certos acontecimentos políticos, que, aparentemente, o interessavam. Distraído, não notei de imediato, mas assim que olhei pela janela percebi que a carruagem voava, um voo suave e diligente. Tampouco me surpreendi com isso e pude aproveitar a vista dos morros à direita e do oceano, logo à esquerda. 
Meu destino final logo fora alcançado e ultrapassado, pois apesar de suave, o voo parecia se dar em alta velocidade. Então chamei o coelho, que vinha de trás de uma cortina branca, na frente da carruagem, o que só nesse momento pude notar. O questionei a respeito e ele respondeu que o destino havia mudado, mas que, entretanto, não saberia informar qual seria. Nesse momento a carruagem fez uma longa curva à esquerda e parecia tomar o rumo do Atlântico, em direção à África, distante alguns milhares de quilômetros. O coelho, muito educado e polido, me recomendou um rápido descanso, o que assenti. 
Quando acordei, parecia que estávamos no meio do oceano, e só podia ouvir os cavalos, que marchavam no ar com velocidade sem igual. Ao meu lado, um homem com um livro nas mãos. Não disse palavra e eu também não, apenas estendeu o livro em minha direção, o que recebi de bom grado. Não tinha nada escrito na capa branca, fiz menção de abri-lo, gesto incentivado pelo homem, que parecia mesmo querer que eu o fizesse. Não podia, contudo, compreender aquela língua, em caracteres que nunca antes tinha visto. 
Folheei o livro, que parecia infinito e logo depois o fechei, segurando-o entre as mãos. O homem contemplava a vista do oceano e continuava sem dizer palavra. O coelho havia desaparecido, talvez ocupado com suas atividades. Sentia sono e parecia algo entorpecido, mas continuei segurando o livro nas mãos. Quando acordei, a vida continuava a mesma de sempre. 
 

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