A escada 

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 15/08/2023
Horário 06:00

Eu nunca decido o assunto de uma crônica. Ela é que se impõe. Fato. 
E nos últimos dias uma palavra está rodando meus pensamentos a todo instante e ontem, durante uma conversa informal me foi perguntado: “Você acha que pessoas te usam às vezes como escada?”.
Está aí: “escada”. 
Começou com a apresentação do Dia dos Pais, na semana passada, quando meu guri cantou uma música junto com os amigos que dizia “Você é a escada da minha subida”, em uma óbvia mensagem de agradecimento por nós, pais, ajudarmos as crianças a crescer. 
Bem, nem precisa de agradecimento. Pais fazem isso naturalmente. Ou deveriam. Mas a mim, que há 18 anos decidiu ter um ofício que só se sustenta por servir ao próximo, soou muito mais natural ainda. 
Sou jornalista de formação, mas desde 2005 dedico cada minuto de trabalho a proporcionar conhecimento a alguém que eu nem conheço direito. Sou professor universitário de Comunicação e Jornalismo e por isso mesmo não importa quem está a minha frente. Se está ali, é para receber o que eu tenho. Se decidiu vir a mim, eu serei sempre o degrau de parte da escada da vida desta pessoa. 
E você vai dizer: “Ah, mas você recebe salário para isso”. E respondo o quanto sou sortudo por poder ajudar e ainda ser pago. Entenda um detalhe: vocação não se discute. Pode até ser ignorada; mas não se discute. 
Mas há um lado estranho em ser escada e que de fato precisamos nos atentar. Ser professor e distribuir conhecimento por aí é perfeito, mas nem todos vão atravessar a rua em um dia normal para apenas te cumprimentar com orgulho.  
Alguns simplesmente vão se aproveitar e sair de sua vida com muita destreza e rapidez. E dias, meses, anos depois surgem com fé em seus propósitos de vida sem ao menos reconhecer como foi a trajetória da escada ou das escadas que surgiram em sua vida. 
Bem, a pergunta que me foi feita era se eu me incomodava em ser escada e não me retribuírem por isso e é preciso ser honesto aqui: disse que sim, que havia casos que me incomodavam. 
Apesar de me considerar uma pessoa boa, não sou bem um ser iluminado ao ponto de não me chatear às vezes com isso em algumas situações. 
Mas o fato é que pensando um pouco melhor logo após a provocação veio um momento de cura e uma certeza: não posso me cansar de ser escada para quem quer que seja, assim como devo aproveitar as incontáveis escadas que me surgem pela frente. Viver deve ser um ato coletivo! Quem não quiser reconhecer, que se vire com os próprios defeitos e eu não tenho nada a ver com isso. 
 

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