Qual adulto não se lembra, de quando era criança, uma face peculiar dos pais, censurando ou estimulando, um possível comportamento? Qualquer realização de uma ação buscava aprovação, olhando em direção à face dos pais. Há faces que acusam, outras motivam. Há faces que deprimem. Há faces que são impulsos para a vida. Há faces que não deixam você esquecer o erro cometido. Faces que lembram o acerto do dia a dia. Gratidão, inveja, ciúmes, surpresa, amor e ódio. O superego tem face; instância psíquica da crítica, censura e juízo.
Há faces de Eros (pulsão de vida) e Thânatos (pulsão de morte). Há face espelho. Para o psicanalista Donald Winnicott (1971), uma das metáforas mais poderosas é a do rosto da mãe como o primeiro espelho do bebê. Diz assim, “o que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe? Sugiro que normalmente, o que o bebê vê é ele mesmo”. Ser visto pelo olhar da mãe é uma das bases fundamentais do sentimento de existir: quando olho, sou visto, logo existo. A metáfora é visual, embora no início o bebê não tenha ainda a percepção enquanto imagem. Trata-se de uma intensa conexão emocional da mãe e do bebê; e falhas no processo de refletir o bebê podem ter consequências sérias e duradouras.
Inúmeros artistas usaram os autorretratos como forma de suprir uma falha do olhar materno, na função de espelho. São artistas envolvidos com um exercício constante de verem-se refletidos na tela, tentando encontrar contornos mais definidos do eu. Cito aqui como exemplos Frida Kahlo e Egon Schiele. O primeiro sentido de potência está na possibilidade da presença do bebê iluminar o rosto materno. É a base para a criatividade e o sentir-se real. Se o olhar da mãe for opaco e desvitalizado, o bebê olha e não vê a si mesmo; a consequência pode ser a perda da capacidade criativa.
Mirian Malzyner, psicanalista didata da SBPSP, refere-se ao rosto materno assim, “enquanto espelho oferece a ‘possibilidade de ser’”. A importância dessa face espelho é de vital importância para o desenvolvimento de toda uma vida do bebê-pessoa. Não estamos livres em nossa trajetória de encontrar pelo caminho ou trajetória face espelho que irão nos acusar ou acolher. Precisamos desse primeiro olhar para dar sustentação e continência para os múltiplos olhares-faces que por ventura encontraremos em nossa trajetória.
É necessário ter esse olhar da mãe como uma base fundamental para o sentimento da existência. Poderemos através de esse olhar, existir de forma sedimentada, nos protegendo e defendendo a si mesmo, de possíveis olhares destrutivos ou maléficos do dia a dia. Enfim, toda mãe suficientemente boa (Winnicott) poderá imunizar seu filho de possíveis “olho gordo” de “faces que acusam” existentes na Odisseia da vida.