A morte é impiedosa. É a única certeza em meio a tantas incertezas e dúvidas no cotidiano. A morte não é justa, é injusta. Duela com a fonte do amor e vence. A morte é uma aproveitadora e indigna. Duela com a fé. Como pode duelar com uma pétala sedosa, de uma flor cor de rosa, gentil e delicada? A morte é uma foice dura, gelada e total ausência de compaixão. Ela decapita, subtrai, rasga, eletrocuta, perfura, afoga, congela queimando e cremando a carne, transformada em cinzas. Ela enterra preciosidades.
A morte é sociopata. Segue extinguindo e extirpando vidas e totalmente isenta de culpa. A morte desconhece reparações. Ela segue seu caminho e desconhece retrocessos. A morte é onipotente, só olha para frente seguindo suas metas. Então, a morte faz tudo o que pensa e segue realizando todos os seus desejos. Quem consegue dar limites para a morte? Ela não se submete a evangelização, tampouco às leis. Penso que a morte é um zumbi, totalmente esvaziada de vida, só pulsão destrutiva. Ela é o escuro pantanoso e sombra úmida e árida. Ali nada se cria ou fertiliza.
Estive próxima a “ela” por esses dias. Ela ronda, prepara o terreno de um jeito tão inescrupuloso! Hipnotiza a razão e congela as emoções. Você tem impressão de que foi abduzido de si mesmo. O aparelho para pensar os pensamentos se perde. E quando a razão, influenciada pela covarde morte, vem conversar com você, pedindo para decidir se segue a ciência ou a natureza? A regressão ao primitivismo é inevitável. A morte é poderosa. Ela é como o vento, chega e você nem sente. O ambiente pré-morte choca. É o estranho ambiente, sendo habitado, por pessoas estranhas, onde o familiar é impedido de chegar próximo. O ambiente é gelado, anunciando algo próximo ao congelamento total.
Ruídos estranhos dia e noite, seguindo rotinas ininterruptas. É o estranho pela perda de referências entre o espaço e o tempo. A Unidade de Terapia Intensiva deveria ser semelhante ao útero de uma mãe, gestando o seu bebê. A morte é tão invencível que na gangorra do duelo, nada ganha dela. Pode ser o mais rico, mais sábio, bondoso, versátil ou habilidoso, ninguém pode com ela. Somos um grão de areia perto da gigante morte. Somente nos resta viver e aproveitar muito bem, o convívio com quem vivo, está. Podemos e devemos pensar sobre a vida enquanto estamos vivos. Significá-la.
Não podemos com a morte, mas podemos retardá-la, freá-la e evitar sua precocidade. Penso que, quando for possível, sendo a morte inevitável, seria ideal que o paciente terminal permanecesse no ambiente familiar.