A nau seguia seu rumo, saindo do Atlântico sul em direção ao Atlântico norte, no mês de agosto de 2025. A Europa, destino comum e certo, continuava ainda a ser vislumbrada como o lugar ideal, a que muitos da tripulação ainda dedicavam seus maiores esforços, enquanto outros, mais jovens, buscavam outros destinos em África e Ásia. Os ventos, contudo, contrários à subida, nessa época do ano sopravam a estibordo e os levavam diretamente ao Caribe, alongando a viagem em muitos meses, mas possibilitando, talvez, que de lá fosse possível aproveitar as correntes e ir ter nas Canárias, nos Açores e por fim, chegar na sonhada costa portuguesa.
A viagem, conhecida e realizada por pelo menos cinco séculos desde as grandes navegações, seguia, porém, permeada por incertezas e a crise configurava-se e já era possível sentir seus efeitos mais imediatos. As dificuldades eram muitas, e entre elas, destacava-se a agrura em encontrar novos grumetes, que apareciam em pequeno número no início da viagem, para então, rapidamente, desistirem ao avistarem o primeiro porto, supostamente, mais seguro. O soldo era baixo, a travessia longa e as promessas de sucesso eram vazias e incertas. A tripulação matutina diminuía, enquanto que os grumetes do noturno seguiam resilientes, sem sabermos, contudo, até quando.
A essas dificuldades, somavam-se outras, observáveis, por sua vez, entre os mestres do mar. O comandante procurava manter os ânimos, mas sua pouca idade era um desestímulo aos demais. Os oficiais, por sua vez, faziam por merecer suas posições, embora titubeassem, em certos momentos, acerca de qual rumo seguir. Os marujos jovens, recém-integrados à tripulação, ainda sonhavam com o sucesso e só podiam se agarrar à arriscada viagem, como o único sentido que podiam dar às suas vidas profissionais. O fato é que a tripulação parecia desunida, com cada um dos oficiais e mestres dando mostras de que navegavam em barcos diferentes, cada um com seu destino próprio, o que fazia da nau algo como um planeta, um corpo errante, sem destino certo e conhecido, nos mares dos trópicos.
O problema maior, contudo, era causado por meios de transporte mais eficientes e seguros, que levavam os tripulantes a destinos mais promissores, muito embora, em posições mais toscas, incultas e certamente pouco eruditas. A travessia podia ser on-line, com custo baixo, para esse destino e para outros, mais vantajosos. Podia-se, até mesmo, obter-se sucesso sem a dura travessia e sem grande esforço, bastando, para isso, ter carisma ou talento com os pés. Um amarga ilusão, é claro, mas como competir com elas oferecendo no lugar uma travessia tão longa, humana e intelectualmente custosa, cujo sucesso era incerto e para poucos. Quem, em sã consciência, aceitaria ser tripulante de uma nau em semelhante viagem?
É preciso enaltecer a beleza da travessia, de suas descobertas diárias e constantes, do prazer causado a cada nova milha navegada. É verdade que a nau pode mudar seu destino, modernizar suas práticas, arejar suas atividades e modificar as qualificações da sua futura tripulação e de seus grumetes. Mas a travessia, essa será sempre a mesma, arriscada e prazerosa.