A nova roupa do povo

OPINIÃO - Durval Bertho Neto

Data 20/09/2022
Horário 04:30

Em 1837, o dinamarquês Christian Andersen escreve um dos mais apreciados contos de moral de todos os tempos: “A Nova Roupa do Rei”.
Dois charlatões chegam à cidade imperial onde vive um reconhecidamente vaidoso rei, que costumeiramente esbanja em roupas às custas dos tributos dos trabalhadores do pequeno reino.
Fazendo-se passar por alfaiates, oferecem a oportunidade única: roupas magníficas, encantadas, visíveis apenas aos inteligentes. O imperador os contrata de súbito, e eles montam teares para “trabalhar”.
Vários funcionários, e depois o próprio imperador, os visitam para verificar seu progresso. Todos veem rocas vazias, mas fingem o contrário para não serem considerados estúpidos.
Depois de alguns dias, os tecelões anunciam ao rei que o traje está pronto. Fazem mímica para vesti-lo e ele sai em procissão diante de toda a cidade. Seus súditos, desconfortavelmente, concordam com tal pretensão, não querendo parecer desprovidos dessa inteligência, até que uma criança deixa escapar que o imperador não está vestindo nada.
Todos, então, percebem que foram enganados. Embora o espanto, o imperador continua a procissão, caminhando tão orgulhoso como sempre, porém debaixo de uma chuva de merecidas gargalhadas e chocarrices.
Dentro do pequeno reino de cada um, surgem vigaristas desejosos de se aproveitar das oportunidades ali presentes. A porta aberta para a ruína é sempre a soberba. Isso porque ela cega, engana, enfeitiça. O soberbo não vê alguém digno de seu esforço além de si mesmo. De fato, a soberba concorre para a vergonha. Certamente, um dia, o soberbo será envergonhado.
Outra moral dessa história, um tanto quanto oculta, mas de fundamental compreensão é: sempre tenha uma criança por perto.
Sim, certamente não é sem propósito que Andersen coloca uma criança como o corajoso instrumento de revelação do absurdo, característico da complicação das interações adultas, jamais humildes como as de uma criança.
A criança é a expressão poderosa da simplicidade libertadora no conto. Por isso, a sabedoria superior adverte: “aquele que se humilhar como esta criança, esse é o maior no reino dos céus (Jesus Cristo, em São Mateus, capítulo 18, versículo 4).
Portanto, pode-se dizer que o que combate a soberba é a verdade acompanhada da humildade. Não forçosamente imposta, mas límpida e cristalina como numa criança. Está naturalmente presente: “Ora, é óbvio que o rei não está vestindo nada.” Simples e verdadeiro.
Que outro caminho pode-se encontrar para trilhar as sendas da tão desejada fraternidade?
Em dias tais, em que há guerras de opiniões, pretensos donos da verdade, exposição exacerbada, inversão de valores, idolatria ao dinheiro, endeusamento da estética, como encontrar o caminho da simplicidade? Como enxergar com condescendência o semelhante? Como considerar o altruísmo virtude e força, não fraqueza? Perguntas difíceis de responder, mas certamente começa ao considerar-se a humildade como novas lentes para ler o próximo, que pensa diferente, diverge, mas tem valor.
O afã pela roupa da vaidade só faz envergonhar. Por isso, uma vez mais, a sabedoria divina propõe: “no trato de uns com os outros, vesti-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo, aos humildes concede a sua graça” (São Pedro em sua primeira carta, capítulo 5, versículo 5).
Para os tempos que estão por vir, o traje de gala para o povo brasileiro e prudentino é a humildade.
 

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