A odisseia de Sérgio

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 03/07/2022
Horário 06:08

Nascido nas melhores famílias da sua cidade, Sergio caminha pela vida orgulhoso da sua nobre origem. Querido pelos amigos que sentem a sua falta, está morando em Campo Grande, no laborioso Estado de Mato Grosso do Sul. Homem de 70 anos, casado com Janaína dos Reis, que lhe deu duas lindas filhas. Amigo dos amigos, sempre aparece na sua querida cidade natal para desfrutar dessas amizades de infância. 
Numa dessas vindas, o nosso querido Sergio resolve voltar de ônibus. Assim começa a sua odisseia. Com uma pequena mala, entra no ônibus exatamente ao meio-dia. Previsão de chegada para as 5h da manhã. Opa “pera” aí, tem alguma coisa errada nessa viagem, são 17 horas para percorrer 400 quilômetros? Bom, se não fosse assim, não seria uma odisseia. Sergio senta na poltrona número 21 e tenta tirar um cochilo. Cochilo ao meio-dia, num calor de 40 graus, dentro de um ônibus? O dito ônibus era como se fosse uma égua de bêbado, ia parando em qualquer cidade, patrimônio, vila, zona, etc.. 
Depois de dez horas de viagem, nosso Ulisses prudentino já tinha atingido a notável marca de 50 paradas. Sergio já pedia ao bom Deus que o levasse carregado por algum anjo suavemente ao tão sonhado paraíso. Já estava num estado de delírio angustiante, sinais que estava realmente vivendo a sua odisseia. Preferiria enfrentar Ciclope? Então, segue o jogo. 
Bom, pra resumir, Sergio finalmente chega ao seu destino num frio de 4 graus negativos. Sem se precaver, não tinha um blusa sequer e também não esperava que Campo Grande virasse um Polo Norte na qual nunca antes na história daquela quente cidade tinha acontecido de ter essa baixa temperatura. Odisseia que é odisseia, o personagem tem que enfrentar as intempéries da vida. Sergio desce tremendo de frio e vai logo pegar um táxi, sonhando com um banho quente e depois deitar ao leito com sua amada e esquecer essa grande gelada. 
Mas sua odisseia ainda não tinha terminado. A sua residência ficava longe da rodoviária e pra se prevenir perguntou ao taxista: Quanto é a corrida? O taxista, malandro, viu um cara tremendo de frio e naquela altura do campeonato pediu R$ 200. Que país é esse? Que isso, que loucura é essa? Um absurdo. Homem sem Deus. E por aí foi expressando suas lamúrias. Por isso que esse país não vai pra frente. O taxista ouviu calado a indignação e disse: "É ir ou não ir". 
Pra complicar, Sergio também não tinha esse dinheiro e preferiu sair na categoria. Não queria demonstrar ao ganancioso taxista que estava com parcos recursos financeiros. E agora? Como chegar em casa? Vou ter que ir de mototáxi? Que fase. Deixou seu orgulho ferido de lado, o cansaço falava mais alto e perguntou ao mototaxista: Quanto você cobra daqui até o bairro Nossa Senhora das Cruzes? “Pô”, é meio longe, vou fazer um preço camarada pro Senhor. Quanto? R$ 50. Deu aquele silêncio de elevador, mas pensou filosoficamente: "A miséria de muitos é a felicidade de poucos". Quase foi às lágrimas. 
Aceitou pela necessidade, cansaço e um frio que até pinguim sofreria na gélida Campo Grande. Quando foi subir na moto, não conseguiu, estava travado de frio e da longa e extenuante viagem. Tiveram que pedir ajuda para colocá-lo na moto. Colocou o capacete todo ensebado e pôs seus braços em volta do mototaxista. Sua odisseia estava chegando ao fim. Depois de tantas cidades e vilas que passou, o heróico prudentino conseguiu não padecer e voltar aos braços da sua amada. O lendário Ulisses ficaria orgulhoso desse guerreiro. Vejam vocês.
 

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