A pegadinha da nova isenção

OPINIÃO - Walter Roque Gonçalves

Data 30/11/2025
Horário 05:02

A nova faixa de isenção do Imposto de Renda, que passa a valer para rendas de até R$ 5 mil a partir de 2026, foi anunciada como um avanço histórico para a classe trabalhadora. De fato, num primeiro momento, o alívio é real: milhões de brasileiros que hoje pagam IR deixam de contribuir, aumentando o poder de compra e dando um fôlego em tempos de orçamento apertado. Porém, há um elemento silencioso nesse debate que pode transformar esse benefício em um bônus temporário: a inflação corrói aquilo que a lei congela.
A regra aprovada não prevê qualquer mecanismo automático de correção. Não há vínculo com o IPCA, com o INPC, com o salário mínimo ou com qualquer índice de reajuste anual. É um número fixo: R$ 5 mil. E isso cria uma armadilha fiscal conhecida globalmente como “bracket creep”: as pessoas não ficam mais ricas, mas passam a pagar imposto como se estivessem.
Imagine um funcionário da empresa fictícia ViaSul Logística. Ele ganha R$ 4.800 por mês em 2026 e, portanto, estará isento. Seus reajustes anuais apenas repõem a inflação, algo entre 4% e 6% ao ano. Em três anos, esse salário pode chegar facilmente a R$ 5.600. Ele não ganhou poder de compra, não trocou de cargo, não assumiu novas responsabilidades — apenas acompanhou o custo de vida. No entanto, por ter ultrapassado o teto congelado, começa a pagar IR. A isenção desapareceu, e o trabalhador volta ao ponto de partida.
O congelamento do teto também afeta negociações salariais. Quando empresas concedem apenas a reposição inflacionária, seus funcionários podem ser empurrados para dentro da tributação, reduzindo o salário líquido. A sensação para o trabalhador é de “andou, mas ficou no mesmo lugar”. Para o Estado, porém, isso representa ganho de receita sem assumir o custo político de aumentar impostos.
Enquanto a faixa permanecer imóvel, o benefício perde relevância. A promessa de isenção para a classe média pode durar pouco. Se o governo não corrigir o teto periodicamente, o Brasil repetirá a história dos últimos 20 anos: sempre que a inflação sobe, a tabela do IR se torna obsoleta, e quem paga a conta é o trabalhador.
A isenção de R$ 5 mil é positiva, mas temporária. A verdadeira mudança estrutural exigiria um mecanismo de correção anual, transparente e baseado em índices reais da economia. Sem isso, a pegadinha continua funcionando: o salário sobe para recompor o que a inflação levou, e o Estado captura uma parte dele porque escolheu não atualizar o limite.
Ao trabalhador, resta uma pergunta incômoda: a isenção é um direito duradouro — ou apenas um alívio passageiro?

 

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