A próxima curva

Roberto Mancuzo

COLUNA - Roberto Mancuzo

Data 04/08/2020
Horário 06:04

Eu tento não dar atenção, mas até os pés de manga perto da minha casa já sinalizam com flores e alguns pequenos frutos que o Natal está para chegar. 
É isso. Assustou? Sim, é para assustar e a minha nítida impressão é que Papai Noel chegará com a mesma rapidez que piscamos os olhos e se virá de máscara ou entubado, não sei. Mas virá. 
Cinco meses de pandemia, sendo três ou quatro deles trancados em casa, fizeram com que nossa noção temporal fosse para o espaço.
É claro que essa velocidade toda é mais nossa do que do tempo. Os dias, horas e minutos continuam no seu próprio ritmo. Nós é que desejamos acabar tudo logo para ver se na próxima curva haverá algo diferente. Quando era criança, eu tinha esta tática em viagens longas. Lá pelas tantas, cansado e entediado, ficava monitorando as curvas da estrada e sonhando que na saída dela, o nosso destino estaria lá. Quase sempre era engano. Na verdade, quando chegava eu já estava dormindo. Penso que é um pouco isso o que está em curso nesta pandemia. 
Entramos em um modo de espera desolador e descobrimos aos poucos que o que pode ser ruim, ainda pode piorar bem. Lembra o quanto ficamos irritados e assustados no começo de março com os primeiros dias de isolamento? A amiga e jornalista Isabele Benito, do SBT Rio, foi feliz em um recente tuíte: “Quando falavam lá em março começou a quarentena. Eu pensava: carai 40 dias?! Aí diziam calma, só jeito dizer... ahãmmm sei... 40 x... por favor, se cuidem”. 
E enquanto alguns sofrem com o que está aí, outros já discutem o que virá. De cara vou eliminar aqui o termo “novo normal”, que é demasiado ridículo e totalmente vazio de significado. Vamos falar de futuro possível e pronto porque eu mesmo não acredito que a humanidade tenha condições, hoje, de promover uma mudança significativa, coletiva e evolutiva. 
Os caras não conseguem usar máscara para sair de casa ou não tem o mínimo de empatia a ponto de deixar de dar um rolê no calçadão e vão promover alguma mudança histórica na humanidade? Sério mesmo? Os pingaiada do “sextou”? Os cloroquiners e negacionistas?
Políticos progressistas e conservadores brigam sobre quem tem o pirulito maior, em vez de cuidar do povo, jogam culpas uns em cima dos outros e eu tenho mesmo que acreditar que vamos sair melhores dessa? Os ricos cada vez mais entubados de grana e os pobres cada vez mais entubados nos hospitais? Really?
Eu tenho dificuldade em acreditar. O historiador britânico Niall Fergunson, em entrevista recente ao jornal El País, acredita que alguns novos comportamentos, como ficar mais em casa ou se proteger com máscaras em ambientes fechados, podem até acontecer, mas em cinco anos teremos a sensação de que foi uma fase e passou. Retornaremos à nossa vida besta.
Se bem que algumas situações que me foram impostas vou dar um bico tão logo seja possível. Por exemplo: levanta a mão aí o pai ou a mãe que vai querer continuar com essa história de homeschooling? Que trem mais perverso. Isso é coisa de quem está afastado de Deus. Eu, que sou professor universitário, descobri que não tenho a menor capacidade mental para ensinar os pequenos e minha professora de matemática, dona Bernardete, que me perdoe, mas não faço ideia do que seja cálculo mental ou régua numérica para adições, subtrações, divisões e multiplicações. 
Enfim, desculpe o tom meio para baixo desta crônica, mas é que às vezes precisamos deixar de olhar o todo, o complexo midiático e social que nos cerca e as mais diversas previsões, e pensar que a mudança começa primeiro com cada um de nós.
 

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