A queda do céu

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 29/01/2023
Horário 04:30

Estava na estrada a caminho de casa. Da noite escura se fez o silêncio. Não havia nenhum ruído de trovão, nenhum raio no céu. Não chovia, e não se sentia nenhum sopro de vento. O profundo silêncio foi rompido com a voz do poderoso Xamã: “Por que continuo a lutar?” Daí vieram aquelas imagens dramáticas dos curumins famintos, na maior crise humanitária que não se via há muito tempo. As notícias vinham da maioria das aldeias, sitiadas pelos vorazes garimpeiros sedentos pelo cobiçado minério escondido no fundo da terra. 
Há muitos e muitos anos aquelas terras já haviam sido invadidas... Basta perguntar para as comunidades da Maloca do Macuxi, Xirixana de Helepi e Palimiú, lá no município de Alto Alegre, no norte de Roraima. Teve também o impacto da construção da Rodovia Perimetral Norte (1973-76), os programas de colonização com títulos expedidos pelo Incra na década de 1980 nas regiões de Ajarani, Apiaú e Baixo Mucajaí. Mas ninguém morria de fome e de malária. Agora, o desmatamento e a destruição estão por toda a parte! 
Nas profundezas emaranhadas da urihi, a famosa terra-floresta dos Yanomami, nas suas colinas e nos seus rios, encontram-se agitados inúmeros seres maléficos, que ferem ou matam quem estiver pela frente, como se fosse caça. E do minério extraído da terra, encontra-se liberta a fumaça da doença. 
Não chore. Os povos da floresta sabem que não se brinca com forças tão poderosas. Elas são capazes de derrubar o céu sobre nossas cabeças! Na verdade, são os xamãs que nos ensinam que no princípio era tudo humano. E que do cataclisma formaram-se as várias espécies, as plantas, os rios, as estrelas, os minerais. Os bichos (yaropë)? Não passam de avatares dos homens que acabaram assumindo a condição animal por causa do seu comportamento descontrolado. E, assim, a chuva e a escuridão, a raiva dos trovões, dos raios e do vendavam não cessam nunca. O solo da floresta gira sem parar aos nossos pés. 
Assim, cada céu que cai, e cada floresta, põem em movimento um processo de renovação. Quando as folhas das árvores começam a tremular ao vento e a floresta se enche de uma luz tremulante, é o fim como princípio. O mundo como floresta fecunda, transbordante de vida. Ao nosso redor? Apenas os espíritos mais teimosos, como o da onça, que apoia o moribundo e lhe dá coragem. Mas também o espírito da lua, que nos mantém com os olhos bem abertos e atentos. E Aiamori, o espírito da bravura guerreira, que não para mais de cantar e dançar. “São as palavras transformadas em arco e flecha pela boca”.
 

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