A viúva da Covid-19

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 24/05/2020
Horário 08:00

Havia um certo respeito no velório do Bernardo. Maria Tereza, a viúva, estava inconformada. Bernardo, cujo nome significa “forte como um touro”, tombou na arena da vida, vitimado pelo misterioso coronavírus. Morreu aos 54 anos deixando uma belíssima viúva de apenas 38 anos. Bernardo se casou muito cedo com sua primeira namorada. Ele e Júlia pareciam um autêntico casal 20. Era um cara competente, focado e muito trabalhador. Foi chamado para ser sócio de um empresário muito rico. Grandes projetos no ramo de incorporação imobiliária estavam nos planos desse rico empresário.

Bernardo aproveitou a oportunidade e cresceu financeiramente. Mudou de casa, comprou carros de marcas conceituadas e passou a usar roupas de grife. Começou a gozar suas férias em viagens ao exterior e entrou para a maçonaria. Nunca foi um cara mulherengo. A vida estava indo muito bem para o casal 20. Mas o destino é irônico. Ele que embaralha as cartas que jogamos. Ele vivia exclusivamente para a família. Maria Tereza, uma jovem linda, de família humilde, e de uma sensualidade à flor da pele, aparece ao acaso na vida ortodoxa desse homem de família exemplar.

Ela era um bonde chamado desejo. Eles se encontram no escritório de um amigo dele. Ela sorri e ele fica sem jeito. Naquele momento mágico, sentiu vontade de saborear a doce traição. O imponderável apareceu em forma de um desejo proibido. E a fidelidade? Quem resiste a uma “novinha”?  Não sabendo lidar com essa loucura, acaba confundindo amor com tesão. Acha que não gosta mais de Júlia. Que saco essa fidelidade.  Está atrapalhando sua enorme vontade de viver esse desejo louco. Quer vivê-lo sem culpas, sem desculpas, sem pedir perdão pra Deus e sem horários a cumprir. Passa a ter raiva de Julia. E o eterno casamento chega ao seu final de uma maneira melancólica. Os dois terminam a ilusão do amor eterno, com raiva um do outro.

Seus amigos ficam surpresos: “Pô, o Bernardo nunca foi do ramo e caiu feito um patinho”. A visão de mundo dele já não era mais justa, racional ou coerente. As amigas dela ficam horrorizadas: “Nossa, mas o Bernardo? Coitada da Júlia, comeu o pão que o Diabo amassou e agora que estavam bem de vida, foi trocada por uma “novinha”. Não é justo. E quem disse que a vida é justa? Bernardo vira um pária na sua roda de amigos. As mulheres não querem vê-lo nem pintado de ouro. Os amigos sofrem pressão das suas respectivas mulheres: “Não convide esse cafajeste mais pra nada" viu Haroldo.  Nenhuma gosta de competição. Sabem que seus maridos vão cobiçar Maria Tereza e fantasiar com ela quando estiverem numa monótona relação sexual.

O amor não sabe conviver com rotinas maçantes. O desejo nunca será ético. Bernardo jogou no lixo as obrigações com família e filhos. É visto como um canalha que está vivendo com uma vagabunda. Putz, como está cada vez mais gostosa a Maria Tereza, diz Juliano. Tá muito gostosa mesmo,  reforça Antônio. Esse nosso amigo experimentou o beijo do diabo e os seus grandes amigos dão risada como hienas esperando uma oportunidade para devorar Maria Tereza.

A obrigação de ser sempre bom marido era um tédio para Bernardo. Chutou sua covardia para fora do estádio da vida limpa e segura. O tempo passou e Bernardo está mais rico. Maria Tereza cada vez mais deslumbrante. A insegurança e o medo que Bernardo tem é morrer e deixar Maria Tereza viúva e muito rica nesse mundo de lobos famintos. Veio a pandemia da Covid-19. Apavorado passa a viver uma vida reclusa. Os amigos fazem churrasco para sair um pouco dessa quarentena, mas Bernardo se nega a sair. Maria Tereza insiste para ele sair, mas é inútil.

Um belo dia de sol, a campainha toca na casa de Bernardo, é a faxineira. Oi seu Bernardo. Oi Josefa. Põe a máscara né Josefa. Ah, perdão seu Bernardo. Josefa sem querer espirra perto de Bernardo e novamente pede desculpas. Está resfriada. Ele, paranoico, vai correndo lavar as mãos e o rosto. Manda Josefa embora. Passam cinco dias e Bernardo começa a apresentar sintomas, como febre. Depois veio a tosse seca e o cansaço. Começou a ter sintomas menos comuns, como dor de garganta e diarreia. No décimo dia, estava com sintomas graves, como falta de ar. Foi hospitalizado.

No décimo quinto dia, estava na UTI entubado.  Quem disse que a vida é justa? Alguns dias depois Bernardo “forte como um touro” sentiu o abraço frio da morte. Aconteceu o que ele mais temia, Maria Tereza estava viúva e milionária. Os demônios que habitam dentro de cada homem acordaram. Os amigos vão negar sempre, mas... No velório, a viúva da Covid 19, assim que ela estava sendo chamada, recebe um abraço de Carlão “James Gardner”, primo de Bernardo, um vagabundo de primeira linha, malandro, cafajeste, mas um exímio sedutor. Repetia sempre essa frase: "A primeira mulher dos amigos eu respeito, mas a segunda...".  Sempre desejou Maria Tereza. A abraçou, passando levemente suas mãos nas costas dela, encostou seus lábios no ouvido perfumado e sussurrou: “Você está maravilhosa de viúva”. Ela timidamente sorriu.

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