Afinando os instrumentos

No contexto atual, observamos que a voracidade verborrágica, acentua-se cada vez mais. Ou virou uma “boa escuta”, encontra-se sem espaço no contato com o outro. Penso que atravessamos, por mais de dois anos, a experiência de um episódio inusitado, que foi e ainda assombra: a pandemia da Covid-19. Desnorteou e deixa sua marca registrada de dor e horror. As vivências de ruptura não foram poucas. Todas as perdas mobilizaram muitas angústias. O confinamento deixou tudo em suspenso e indefinido por algum tempo. 
Nesse contexto, surgiram também as novas formas de nos relacionarmos por meio da tecnologia, juntamente com as exigências e a dedicação que isso requeria. É natural observarmos certo narcisismo, indiferença, automatismo, negação e racionalização. Também ansiedade, depressão e ainda certo isolamento. Aprendemos a permanecer isolados e fomos convocados a enfrentar o novo. Tivemos que nos virar e de alguma forma transformarmos em pequenos “heróis”. 
Penso que herdamos dessa pandemia, vulnerabilidade e certa sensação de impotência. Somos e estamos mais sensíveis, além da eterna sensação de finitude. Nossas comunicações são expressas de formas verbais e não verbais. É preciso pensá-las. Magoamos as pessoas mais íntimas, pelas expressões verbais e não-verbais, como descargas emocionais. Muitas vezes, estamos estressados, reprimidos, inundados por tantos pensamentos e a primeira pessoa, que coloca-se em nossa frente, “vomitamos tudo”. “Penas” jogadas ao vento, impossíveis recuperá-las. A palavra mal-dita impregna e é estéril. A palavra bem-dita fertiliza. 
A falta de percepção, pressa, cegueira ao óbvio, falta de sintonia, desprezo, esquecimento de datas importantes, pesam magoando. Bion, psicanalista, em sua “Uma teoria do pensar” (1961), diz assim: “É conveniente considerar o pensar como um processo que depende do resultado bem-sucedido de dois desenvolvimentos mentais básicos. O primeiro é o desenvolvimento dos pensamentos. Eles exigem um aparelho que dê conta deles. O segundo desenvolvimento, portanto, é o deste aparelho que, provisoriamente, chamarei de pensar. Repito - o pensar tem que ser criado para dar conta dos pensamentos. Notar-se-á que isto difere de qualquer teoria do pensamento como produto do pensar, na medida em que o pensar é um desenvolvimento imposto à psique pela pressão dos pensamentos, e não o contrário”. 
O tempo ajuda a afinar os instrumentos musicais de uma orquestra. É aprender a pensar sobre todos os pensamentos que nos inundam a todo o tempo. O relacionamento humano é como uma orquestra. Cada instrumento musical tem a sua hora de entrar e sair. E todos respeitam o regente. Precisamos do outro. E é importante que respeitemos o tempo de cada um. Um leva mais tempo para assimilar. E em uma orquestra todos os instrumentos têm a sua importância. Cada instrumento tem a sua especificidade, singularidade e seu pluralismo. O importante é a afinação.
 

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