A psicanálise acolhe em suas entranhas e ao mesmo tempo dá continência para os conteúdos mais agressivos do ser humano. Algo não digerido, não metabolizado, internamente cimentado pelo analisando, é observado e contido pela escuta e visão, muitas vezes, pela cegueira tão necessária (intuição). É microscopicamente, acolhido (reveriê) ou seja, transformado e elaborado em consonância com o tempo.
Divido o pensamento de D. Winnicott psicanalista, nascido em Plymouth, em 1896, pediatra e especializou-se em psicanálise infantil. Faleceu em Londres, em 1971. Em seu livro, “Privação e delinquência” (1987, primeira edição), escreve para os professores que “Amor e ódio constituem os dois principais elementos a partir dos quais se constroem as relações humanas. Mas o amor e ódio envolvem agressividade. Por outro lado, a agressão pode ser um sintoma do medo. Todo o bem e o mal encontrados no mundo das relações humanas serão encontrados no amago do ser humano”.
Ele leva mais longe ainda, afirmando que no bebê existe amor e ódio com plena intensidade humana. De todas as tendências humanas, a agressividade, em especial, é escondida, disfarçada, desviada, atribuída a agentes externos, e quando se manifesta é sempre uma tarefa difícil identificar suas origens. Os professores conhecem bem os impulsos agressivos dos seus alunos, sejam latentes ou manifestos, e às vezes se veem obrigados a enfrentar explosões agressivas ou uma criança que é agressiva. É preciso reconhecer, conscientemente, de que a energia instintual reprimida constitui um perigo potencial para o individuo e para a comunidade.
É evidentemente importante para a criança em desenvolvimento que ela tenha se encolerizado com frequência numa idade em que não precisa sentir remorso. Se é verdade, portanto, que o bebê tem uma grande capacidade para a destruição, não é menos verdadeiro que ele também tem uma grande capacidade para proteger o que ama de sua própria destrutividade, e a principal destruição existe sempre, necessariamente em sua fantasia.
Em resumo, a agressão tem dois significados. Por um lado, constitui direta ou indiretamente uma reação à frustração. Por outro lado, é uma das muitas fontes de energia de um indivíduo. Somos mamíferos e, a partir do nascimento, dependemos do outro de forma absoluta. O ego antes de tudo é corporal, necessitamos de cuidados para sobreviver. E no início somos uma unidade com o ser que nos cuida, não há o eu e não-eu. É tudo fusionado, realizado no tempo do bebê (sua majestade o “bebê”). Impossível tolerar a frustração.
Um dos mais importantes exemplos da conjugação de amor e agressão surge com o impulso para morder, que passa a ter um sentido aproximadamente a partir de 5 meses de idade. Originalmente, porém, é o corpo materno, que excita o morder e produz ideias de morder. Assim, o alimento acaba por ser aceito como o símbolo do corpo da mãe, do corpo do pai ou de qualquer outra pessoa amada. Isso é normal para as crianças nas primeiras fases de seu desenvolvimento, e caminha lado a lado com a criação mágica.
A destruição primitiva ou mágica de todos os objetos está ligada ao fato de que (para a criança) o objeto deixa de ser parte de “mim” para ser “não-mim”, deixa de ser fenômeno subjetivo para passar a ser percebido objetivamente. Ao acompanhar a criança, com sensibilidade, através dessa fase vital do início do desenvolvimento, a mãe dará tempo ao filho para adquirir todas as formas de lidar com o choque de reconhecer a existência de um mundo situado fora do seu controle mágico.
Nós psicanalistas, atendemos a criança (ludoterapia) e é durante o brincar e no sonhar que ela expressa suas fantasias e muitas de suas agressões contidas. Cada vez mais, valorizo toda a questão do ambiente acolhedor, afeto, tempo e sua dimensionalidade, lendo esse texto.