Altruísmo como expressão da cidadania na esfera pública

OPINIÃO - Leonardo Delatorre Leite

Data 24/08/2021
Horário 05:00

Em meio a uma crescente conjuntura socioeconômica de supervalorização da esfera privada, os valores morais de altruísmo e caridade perderam, de forma substancial, influência na prática social cotidiana. Nesse sentido, a própria dimensão axiológica da cidadania, compreendida enquanto a busca efetiva pelo bem comum, encontra-se comprometida. Diante disso, o filósofo alemão Jürgen Habermas afirma que a contemporaneidade está mergulhada num fenômeno de crise do espaço público. Ademais, muitos autores republicanos são categóricos na afirmação segundo a qual a concepção negativa da liberdade, ou seja, a compreensão de que a mera inexistência de obstáculos externos às ações individuais caracteriza, em última instância, o significado de ser livre, auxilia na degradação de uma ética coletiva centrada no cumprimento das virtudes cívicas. 
Diante do exposto, percebe-se que o enfraquecimento dos princípios morais e elementares de altruísmo e amor genuíno para com o próximo decorre de uma visão pautada, exclusivamente, no individualismo puro, cujos traços peculiares de egoísmo e avareza são típicos de um sistema econômico que enxerga no consumo e no trabalho os fatores primordiais do desenvolvimento do ser humano. Em vista disso, a filósofa alemã Hannah Arendt reiterava que a concentração integral dos indivíduos em assuntos meramente privados influencia a ascensão de um fenômeno denominado impessoalização, o qual consiste, basicamente, na formação de homens indiferentes ao próximo. Dessa forma, o fomento da impessoalidade pelo individualismo favorece a instrumentalização das relações sociais e a reificação, ou seja, a objetificação do ser humano. 
Apesar do crescimento de uma mentalidade econômica materialista, é possível o resgate do altruísmo como valor moral imprescindível para o bem comum. Contudo, o resgate do princípio em questão depende da retomada de uma cosmovisão filosófica comunitarista, que enxerga nas relações sociais os fatores primordiais para o pleno desenvolvimento do homem, já que, em sua essência, o ser humano apresenta uma inclinação para a vida em sociedade. Destarte, é imprescindível a valorização de uma ética caracterizada pelo apreço aos elementos da esfera pública, da cidadania, da comunhão com o próximo e, por fim, da vivência genuína do altruísmo. Embora a proposta comunitarista possa soar ingênua, já que a preocupação contemporânea reside tão somente em assuntos de ordem econômica, somente o anseio efetivo pela busca compartilhada da justiça social pode evitar a completa instrumentalização do homem. 
Em virtude do que foi apresentado, vale a pena frisar o entendimento da pensadora carmelita Edith Stein, que afirmava: “O indivíduo humano isolado é uma abstração. A sua existência é a existência em um mundo, sua vida é vida em comum. E estas não são relações externas, que são adicionadas a um ser que existe em si e para si, mas, a sua inclusão em um todo maior pertence à própria estrutura do homem”. Por fim, a realização plena da natureza humana se dá pelo exercício das virtudes morais, sobretudo, pelos valores do altruísmo e do amor genuíno, o qual se encontra nos atos concretos de generosidade, liberalidade e magnificência. Segundo Santa Teresinha de Lisieux, “amemos, pois nosso coração não foi feito senão para isto”.
 

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