Amigos dos tempos antigos

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 15/10/2023
Horário 04:30

Qual é a imagem mais antiga em sua memória de quando era criança?
Eu lembro de cenas cotidianas que ocorreram quando eu tinha apenas 3 ou 4 anos. Talvez elas tenham ficado marcadas por causa da mudança da família de Uberlândia para São Paulo e o que isto significou em termos de novos relacionamentos e descobertas. Mas esta é outra história. Voltemos para aquelas imagens mais remotas.
Eu sou do tempo que criança brincava “lá fora”, explorando as novidades da rua. E a rua onde eu morava era de terra e terminava abruptamente no córrego São Pedro.
Nem me passava pela cabeça que o São Pedro é um córrego que deságua no Rio Uberabinha, próximo ao ainda famoso Praia Clube. E que ele delimitava o fim da mancha urbana, transformando-se quase numa barreira intransponível para a expansão da cidade em direção às terras dos Martins ou das redondezas do Cajubá. Simplesmente o São Pedro delimitava o meu universo da vida do brincar “lá fora”. E desde estas primeiras lembranças lá estava ele: Lúcio Flávio, o meu amigo mais antigo, cúmplice destas memórias mais remotas. 
Sabíamos que era proibido atravessar o córrego São Pedro e explorar o que havia do “outro lado”. A brincadeira era sempre do “lado de cá”. E criança inventa, né? Passávamos horas colecionando diferentes seixos e gravetos largados nas margens do São Pedro. Rapidamente este material se transformava numa fazenda imaginária e o mundo inteiro cabia ali. Sem muita cerimônia, nossa coleção de pedras e gravetos podia se transformar em munição para arremesso de objetos à longa distância nas incontáveis ruas de terra ao nosso redor.
Acho muito curioso quando sou surpreendido com notícias sobre gigantescas inundações que ocorrem na Avenida Rondon Pacheco. Carros arrastados pela enxurrada, cenas de muita apreensão. E o jornalista coloca culpa na chuva... Coloca culpa no São Pedro. Esquecem de quem roubou o meu mundo, de quem cobriu o córrego São Pedro e o transformou na principal artéria de ligação da cidade, cobrindo de concreto e asfalto tudo o que havia ao redor! 
A garotada de hoje não lida mais com o que está ao seu alcance físico. As amizades são estabelecidas por meio das bolhas eletrônicas onde o “agora” se alonga e contrai, se expande e condensa no ritmo “TikTok”. Talvez seja por esse motivo que soa muito estranho uma amizade que já dura 55 anos! Lúcio Flávio continua lá em Uberlândia. Com o passar dos anos, vai se transformando na única referência daqueles tempos antigos.  “Compositor de destinos. Tambor de todos os ritmos. Tempo, tempo, tempo, tempo”. 

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