Ao “jovem” e bondoso mestre com carinho, e muitas saudades

OPINIÃO - Cleber Toledo

Data 11/12/2022
Horário 04:10
Foto: Cedida
Barbosa e Bendradt numa festa na residência de Cleber Toledo em Prudente em meados dos anos 1990
Barbosa e Bendradt numa festa na residência de Cleber Toledo em Prudente em meados dos anos 1990

Com um choque terrível e uma tristeza indefinível soube pelo meu filho mais novo, e com uma semana de atraso, do desencarne de meu mestre e amigo Barbosa da Silveira. Morando a 2 mil quilômetros de distância, em Palmas, no Tocantins, a última vez que estive com ele foi há cerca de sete anos, quando seu Barbosa ainda vivia na Vila Marcondes – casa com uma escada na frente absurdamente íngreme até para um jovem “escalar”, quanto mais para um ancião. Ancião?

Barbosa da Silveira era uma alma eternamente jovem. Lembro-me de quando ainda em O Imparcial me impressionava a disposição dele em pular todas as noites de carnaval no auge dos incríveis 70 e poucos anos, com seu andar claudicante. Eu não dava conta de tamanha façanha, e sempre brincava com o mestre: “Queria ter essa energia de moço do senhor”.

Sua alma juvenil ficou evidente na forma como recebeu a invasão da tecnologia à redação. Ele e meu também saudoso amigo querido Bendradt Júnior, ambos na casa dos 70, com ousadia, se adaptaram rapidamente ao computador, que assustou até os bem mais novos, como no meu caso, iniciados na lide nos tempos da máquina de escrever. Enquanto outros veteranos rechaçaram a imposição da modernidade, Barbosa e Bendradt (este último tinha exatamente a missão de transmutar do papel para o eletrônico os textos de seus contemporâneos avessos às novas ferramentas de trabalho), incorporados desse zeitgeist, passavam a manhã, serenamente, digitando seu material, como todos os demais jovens jornalistas.

Outra característica que marcava esse imenso amigo e honrado colega de profissão Barbosa da Silveira era sua bondade. Dois episódios sempre estão presentes em minhas lembranças dessa época. Um dia conversávamos numa roda e falei que se tivesse dinheiro compraria “Chatô – o rei do Brasil”, de Fernando Morais, que acabara de ser lançado. Dias depois chegou uma encomenda na recepção do jornal e vieram me trazer. Estavam lá o livro que desejava e mais duas obras – dois lançamentos, um de Carlos Heitor Cony e outro de Rubem Fonseca, sobre os quais também havia comentado naquela mesma roda.

Não havia nenhum cartão, nem qualquer pista sobre meu filantropo. Fiquei intrigado, porque nem podia imaginar quem leu meus pensamentos e me deu tão valiosos presentes. Só uns dois anos depois, por um amigo comum, descobri que o autor dessa imensa cortesia era ninguém menos que seu Barbosa.

O outro episódio resultou de uma brincadeira que sempre fazíamos com o mestre na redação de O Imparcial, pela extrema admiração com que a elite prudentina o reverenciava. Dizíamos que, ao contrário dele, não poderíamos nem sequer chegar perto de um refinado e tradicional hotel do centro da cidade. Enquanto estendiam um tapete vermelho para receber o ilustre jornalista e cidadão, se fôssemos vistos nas proximidades já chamariam a polícia para averiguação. Ele ria de se dobrar desses gracejos.

Em meu aniversário fui surpreendido pelo convite de seu Barbosa, extensivo à minha família e a colegas de redação, para jantarmos no tal requintado hotel. Fiquei comovido, mas tentei recusar, afinal, não seria um presente barato. Ele foi inflexível, não aceitou meus argumentos e tivemos de ir. Uma noite inesquecível.

Algumas vezes fui ao seu Os Ouvintes Querem Ouvi-lo, na rádio Comercial AM, para um bate-papo sempre agradável. Inclusive, naquela última vez que estivemos juntos em sua casa, seu Barbosa me convidou a participar novamente para contar sobre minha vida no Tocantins. Infelizmente, pela correria, só pude passar rapidamente pela cidade nos anos seguintes.

Numa dessas viagens, há coisa de três anos, fiquei no hotel que era o centro de nossas brincadeiras com o mestre. Só pernoitei e no dia seguinte parti para a casa da família no Paraná. Claro, com a lembrança vívida do jantar inesquecível que a bondade desse “jovem” alegre me proporcionou quase 30 anos antes.

Obrigado, amigo e mestre, por sua alegria e seu companheirismo. O senhor foi uma luz imensa que jorrou sobre todos nós que tivemos o privilégio de conviver e desfrutar de sua amizade.

Descanse em paz e até um dia.

 

Fotos: Cedidas


Jornalistas Cleber Toledo e Reinaldo Ruas na solenidade de entrega do título de Cidadão Prudentino a Barbosa na Câmara em 1996


Jantar de aniversário oferecido por Barbosa a Toledo no “hotel refinado”, alvo das brincadeiras dos jornalistas com o mestre

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