As bolhas

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 20/11/2022
Horário 05:00

Eu passei a última semana me guiando pelos aplicativos de mapas do celular para percorrer lugares desconhecidos de Essen, cidade alemã onde mora a minha filha. Esses aplicativos digitais funcionam não só como um guia de rotas, mas também como rede social e usos não tão óbvios (espécie de meio de comunicação, com vídeos, fotos, textos)... Como usuário desses aplicativos, eu posso evitar percursos mais lentos e recalcular a rota pelos caminhos mais curtos, tornando bairros que eram tranquilos em novas vias de grande circulação de automóveis!
Seria essa uma experiência inovadora? De fato, com a telefonia móvel e os dados enviados e recebidos, podemos produzir cada vez mais rápido nossos próprios mapas, inserindo aspectos de interesse particular através de fotografias e registros pessoais. Isso torna o processo de mapeamento cotidiano uma espécie de cartografia colaborativa não convencional que impacta a convivência comunitária, mesmo que o crescente contingente de “novos cartógrafos” não saiba quais procedimentos metodológicos sua rotina banal representa. 
Mas a diretora do Centro para a Dislexia da Universidade da Califórnia, a neurocientista Maryanne Wolf, observa que no cérebro impera uma máxima: "Use essa capacidade ou perca-a". Assim, cada meio de leitura beneficia alguns processos cognitivos em detrimento de outros. Daí eu fiquei com saudades dos mapas convencionais que manuseei desde criança e da diversificada forma de compreender o espaço promovida pela leitura dos mapas impressos (analógicos). 
Desde os primeiros anos de escola eu usava mapas para localizar capitais, fronteiras e oceanos. Dando asas à imaginação, eu navegava pelos grandes rios que recortam o Brasil, desembocando nos estuários marinhos e nas linhas costeiras dos continentes. E na vida de professor nunca foi diferente. Eu usei instrumentos de navegação (como bússolas, astrolábios, teodolitos) para ensinar e aprender a leitura da paisagem. Me aventurei na interpretação de imagens por meio de pares estereoscópicos, mas também pelas chaves de interpretação associadas aos dados de sensoriamento remoto com resolução crescente. Foram muitas mudanças desde o mapa analógico até o mapa digital. 
Cada pessoa com um celular na mão é hoje um ponto em algum mapa. E essa informação preciosa é comercializada para quem nos quer vender qualquer coisa ao nosso redor. Nos próximos dias vou furar essa bolha. Mapa de papel nas mãos. Modelo esquemático da formação e estrutura urbana da velha/nova cidade alemã. E bolha no pé. A cidade do tempo lento de seus transeuntes. 
 

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