Sentar para escrever em poucas palavras o que estou observando e sentindo do mundo a meu redor, constantemente, me impõem uma questão central: a relação entre as palavras e as coisas. Eu sempre pensei que as palavras existem para denominar as coisas. Seria inconcebível alguém criar uma palavra sem a devida correspondência com os conceitos e os fatos. Eu não sabia que poderia haver conceitos ainda em busca de palavras correspondentes, assim como palavras ou frases sem sentido, carentes das correspondentes significações.
Tenho a impressão de que nas bolhas cibernéticas nas quais estamos cada vez mais mergulhados há um crescente descolamento de sentidos. Para você existir nas redes sociais é preciso falar qualquer coisa. Muito se diz sem levar-se em conta como os conceitos foram elaborados, deixando-se de lado por quem e quando eles foram elaborados. E, assim, não há mais diferença entre as principais referências e a verborragia da língua comprida que não cabe mais dentro da boca.
Sabemos que há muitas maneiras de apresentar, elaborar ou defender a posição correspondente entre os conceitos, as palavras e os objetos. Estaria a fonte do conhecimento na realidade sensível, no mundo das percepções e das impressões? Ou na realidade inteligível do mundo das ideias, no sentido mais ou menos platônico?
Não podemos esquecer das imagens ou representações que temos das coisas. Ou melhor dizendo: as representações “enviadas” pelas coisas aos nossos sentidos. E o conjunto dessas representações que temos das coisas que tornam a ampliam a nossa capacidade de imaginação sem a qual não seria possível o conhecimento.
Temos também a ideia de “lugar de fala” que se popularizou no Brasil com o livro da feminista negra Djamila Ribeiro. Homem pode falar de aborto ou pautas feministas? Somente quem pertence ao movimento LGBT pode posicionar-se criticamente diante da chamada “ideologia de gênero”? Brancos podem falar de negros e negros de brancos?
Polêmicas à parte, o que importa não é apenas “o que se fala”, mas “quem fala”. Não aceito qualquer tipo de censura, mas eu me sensibilizo diante do chamado que favorece maior escuta aos grupos historicamente marginalizados, excluídos e violentados. É preciso ouvir com atenção o que é dito. Ficar em silêncio grifando as palavras. Tomar contato com o turbilhão de pensamentos imersos na imensidão do oceano das palavras. E das muitas vozes silenciadas....
Bem, as palavras, palavras, palavras. Por que não se calam? Quero dizer as coisas com poucas palavras.