Até onde chegam os desdobramentos de atos discriminatórios na internet?    

Psicóloga relata que consequências emocionais por conta de agressões no ambiente virtual podem ser graves; delegado da Polícia Civil aborda como se procede o tema no âmbito jurídico

PRUDENTE - CAIO GERVAZONI

Data 19/02/2022
Horário 07:15
Foto: Tribunal Superior Eleitoral
Psicóloga e delegado falam sobre os desdobramentos de atos discriminatórios na internet
Psicóloga e delegado falam sobre os desdobramentos de atos discriminatórios na internet

O desenvolvimento tecnológico e a consequente inserção da presença do mundo virtual em nosso cotidiano fazem com que a imersão neste ambiente, em alguns casos, seja visceral e nada democrática. Perfis reais ou em sua grande maioria fakes extrapolam a linha do bom senso e da civilidade ao direcionar ataques de cunho racista, homofóbico ou, até mesmo, em nível nacional, como no caso recente do youtuber Bruno Aiub, o Monark, apoiar a criação de um partido nazista. Por isso, O Imparcial entra no hype (na onda) do cenário eufórico da internet brasileira e pergunta à psicóloga Ana Celia Bossoni e ao delegado André Luís Luengo: até onde chegam a liberdade de expressão e quais são os desdobramentos de atos discriminatórios na internet tanto no campo da psicologia quanto no âmbito criminal e jurídico?
Para a conhecedora dos mecanismos da pisque humana, acima de tudo, a cautela e o cuidado com si e com o outro deve ocorrer tanto on-line, quanto off-line. Ana relata que ataques de preconceito, homofobia, discriminação e abuso emocional direcionados por meio da internet ofendem, machucam e matam assim como no mundo real. Segundo a psicóloga, no ambiente virtual, as pessoas têm uma propensão maior para se sentirem com mais coragem e não ter rédeas éticas e morais para direcionar o ressentimento a outro indivíduo ou grupo social. Ela compreende o ato como cyberbullying. “No mundo virtual você pode criar contas fakes. Nesse sentido, as fantasias e personagens aparecem com mais facilidade. Por ser possível se esconder atrás das telas, as pessoas ficam mais ‘corajosas’ para falar o que pensam e sentem. Por isso, devemos estar sempre atentos e não cair nas armadilhas psicológicas, que existem por trás de quem pratica o cyberbullying”, explica a psicóloga. 
Conforme indica a profissional, os desdobramentos de um ataque de ódio no meio digital podem levar a consequências emocionais graves a quem o sofre. “Algumas características de quem sofre o ataque por meio da internet pode ser tristeza, medo, angústia, ansiedade, depressão, baixa autoestima, síndrome do pânico, podendo chegar ao suicídio, como, infelizmente, já vimos em nosso país”.
“Cuidemos da nossa saúde mental, emocional, psicológica e trabalhemos a nossa inteligência interpessoal. Assim, teremos mais possibilidades de nos defender e pedir ajuda. Pois uma pessoa bem instruída sabe sobre os danos que ela pode causar no outro e o quanto alguns tipos de apologias podem ferir a moral, honra e dignidade de alguém ou grupo. Ter preconceito é ruim e é crime. Precisamos ter responsabilidades sobre nossas falas e atitudes na internet e, fora, faria com que muitos pensassem antes de escrever negativamente nas redes sociais dele e dos outros”, relata a psicóloga sobre a necessidade de pautar a educação digital na atualidade. “Esse é um assunto que deveria ser comentado, falado, discutido nas escolas. Até mesmo nas reuniões com os pais”, completa. 

No âmbito jurídico

 O delegado da Polícia Civil no Deinter-8 (Departamento de Polícia Judiciária do Interior) de Presidente Prudente, André Luis Luengo, é enfático ao pontuar que usar a internet, celular e outros meios de comunicação para ofender ou prejudicar o outro é crime. “A prática é conhecida como cyberbullying e pode acarretar processos tanto no campo cível, com dano moral, quanto na área criminal, como injúria, calúnia e difamação”, elucida. 
Segundo André, na maioria dos casos, os ataques pela internet se enquadram como injúria racial. Ele realça que os elementos, em âmbito jurídico, deste crime estão associados quando o ataque é direcionado tanto à etnia, quanto à religião, procedência nacional ou orientação sexual de uma pessoa e que a pena de reclusão nestes casos ao agressor é de um a três anos e multa. “A injúria racial é um xingamento, um delito contra a honra. Qualquer outro tipo de ataque que seja direcionado a um grupo ou gênero específico é considerado racismo”.
O delegado, que também é professor de Direito, explica que a Justiça compreende o racismo como o ataque racial destinado a um grupo e criminalmente é mais severo que a injúria racial. “Neste caso, o objetivo do agressor é discriminar a coletividade sem individualizar as vítimas. O crime é inafiançável e imprescritível. O processo contra o agressor deve ser conduzido pelo Ministério Público”, explica André Luiz Luengo, e completa que a pena de reclusão neste caso é de três a cinco anos e multa. 
“No universo jurídico, o crime, seja pela internet ou real, o que é analisado é o meio usado para cometê-lo. O importante para nós, que trabalhamos no mundo jurídico, é que houve o crime. A forma como ele foi desenvolvido, se foi verbalizado, textualizado ou se foi por uma mídia, é um instrumento, é um meio. Então, ele não muda este enfoque. A exceção a esta questão do [crime de] racismo é que ele é punido com mais severidade quando é praticado por meio da comunicação social”, explica o delegado. 
Por fim, quando o ataque é realizado por um perfil fake, André pontua que a Polícia Civil possui meios cibernéticos de investigação para chegar ao autor. Ele faz uma analogia que compara a atividade de uma pessoa na internet aos rastros deixados por alguém quando pisa na areia. “O uso da tecnologia como ferramenta de investigação no sentido de utilizarmos ela para o nosso conforto investigativo, mas também para sabermos como investigar estes casos. A internet não é terra sem lei. Ela tem lei e é como uma areia: deixa muitos rastros. Mesmo que seja um fake, o usuário de um perfil falso deixa o seu registro de IP quando navega pela internet. O IP é a sua digital. E pelo IP a gente localiza de onde começou”, explica.

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