Em Berlim, após os desastres da guerra, tudo foi reconstruído pedra sobre pedra; mas a Igreja Memorial do Imperador Guilherme foi mantida intacta, com as marcas do bombardeio para ninguém esquecer aquela tragédia histórica. A cúpula oca de Genbaku — testemunho da bomba atômica em Hiroshima — hoje é um monumento à paz. Não é preciso recorrer a esses exemplos tão distantes para compreender as marcas da história ao nosso redor. Basta caminhar pelas ruas da nossa cidade.
Ainda não consigo compreender por que a nossa cidade despreza a sua história. Não sai da minha cabeça a completa demolição da casa do Chefe da Estação, construído em 1920 pelo Coronel Manoel Goulart há poucos metros da histórica estação ferroviária. Quando percorro a pé a antiga plataforma da estação, viajo para o tempo quando ainda era jovem. Apesar da viagem de trem gastar três vezes mais tempo do que pela rodovia (isso mesmo, eram 18 horas de viagem!), eu preferia me deslocar de trem para São Paulo. Como era divertido...
O relógio da Estação marcava 18h30. O maquinista acoplava mais três vagões ao comboio proveniente de Presidente Epitácio para seguir viagem. O primeiro deles era o carro de primeira-classe, com belas poltronas reclináveis de couro. Em seguida era a vez do carro restaurante. E depois, o carro dormitório, com direito a banheiro privativo. Todos eles daquela série “Budd 800” fabricada em aço inoxidável pela Mafersa na década de 1960 (“chique no úrtimo”!).
Eu estava no meio desses devaneios outro dia, quando caminhava por uma trilha entre as sombras das árvores do Parque do Povo. Parei para observar uma senhora que apressava o passo para alcançar o ponto de ônibus, por um caminho mais curto traçado pelos transeuntes no meio da grama. Pensei com meus botões: “não preciso caminhar tão longe, não”. Me encantam as trilhas urbanas deixadas pelos transeuntes pelos canteiros das praças. Diriam alguns que são maus exemplos dos cidadãos que não respeitam as famosas placas “não pise na grama”… Mas você já parou para pensar no cotidiano dos cidadãos que precisam encontrar os caminhos mais rápidos dos percursos a pé? Essas trilhas urbanas também revelam novas experiências sensoriais. É um passarinho que faz seu ninho naquela árvore. É o burburinho e o frescor das águas da fonte luminosa. O espaço da cidade apropriado por seus moradores andarilhos!
Polêmicas à parte, não raras vezes os gestores das cidades simplesmente se curvam aos percursos traçados pelos transeuntes e melhoram o calçamento dessas trilhas urbanas. Vamos juntos caminhar pelas ruas da cidade?