Beira mar

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 23/04/2023
Horário 04:30

Férias na praia. Pé na areia. Me agrada imaginar que, na linha da maré, estou sozinho cara a cara com a imensidão do mar. O que existe lá longe detrás da linha do horizonte? Por que o recuo das ondas insiste em me arrastar para as profundezas? Não é difícil imaginar que bem perto dali moram as sereias. Ou que da paz imperturbável do fundo do mar, Poseidon acompanha as intempéries provocadas pelos ventos impetuosos sobre as ondas, restabelecendo a ordem depois das tempestades. 
Subitamente fui surpreendido por uma cena pitoresca. Como se quisesse voar, um pequeno peixe atravessou rapidamente uma onda há poucos metros de mim em direção à imensidão azul. Deve ter sido Olocum, a Senhora dos Oceanos dos Iorubás, lembrando das conexões da vida... Pois é, ninguém vive sozinho! Aquela praia arenosa que parecia deserta de vida, mostrou-se como uma intrincada conexão entre o ecossistema marinho e terrestre. Explico melhor. 
Olhei para trás. Parecia que alguém me observava. Era apenas um curioso e arisco caranguejo conhecido por maria-farinha ou espia-maré que, rapidamente, escondeu no seu abrigo como se quisesse brincar de esconde-esconde. Não muito longe dali estava um bando de trinta-réis-de-bico-vermelho numa dança sincronizada com a linha da maré. Dizem que com seu bico pontudo essas pequenas aves caçam os habitantes subterrâneos das praias arenosas: vermes poliquetas, moluscos bivalves e pequenos crustáceos. 
Lembrei-me das minhas aulas de geomorfologia, especificamente, o tópico de “microtopografia praial”. Como não era uma praia plana e a granulometria da areia era de média para grossa, certamente eu estava numa “praia refletiva”, marcada por forte energia hídrica provocada pela ação das ondas. Que ambiente dinâmico! Os grãos de areia continuamente reposicionados naquela zona intermareal, entre o nível da maré baixa e o da maré alta... “Ainda bem que a vegetação de restinga é bem preservada logo ali, na chamada zona supralitoral (fora do alcance das ondas e marés normais)”, pensei comigo. Sua complexa rede de raízes ajuda a fixar a areia da praia, além de servir de abrigo para espécies de crustáceos, como os siris e caranguejos. 
Meus pensamentos foram interrompidos por um trovão que ecoou lá longe no céu. Os ventos do sul indicavam mudanças bruscas, confirmando a previsão de muita chuva, com risco de grandes alagamentos e transbordamentos de rios. Eu preciso descansar um pouco, mas “o mar não está para peixe”, não. Melhor dizendo, está para a enguia, conhecida pelos tupis de “muçum”, aquela que desliza ou escorrega. Odoya Iemanjá!
 

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