Brasil Profundo

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 18/07/2021
Horário 06:00

1992. Mais um trabalho de campo com minhas turmas de geografia. Parada final, São Félix do Araguaia. Visita agendada com Dom Pedro Casaldáliga e entrevistas nas comunidades tradicionais da Ilha do Bananal. No meio do caminho nos alojamos em Canarana, a famosa Canaã (terra prometida) fundada por gaúchos lá no Brasil central. Lembro-me do monumento na praça central da cidade. Literalmente era o avião que trouxe os pioneiros para as terras do cerrado do norte mato-grossense em 1981, um bimotor Douglas DC-3 capaz de transportar 32 passageiros.
2021. Chego à Chapada Gaúcha, localizada no norte de Minas Gerais, cidade também fundada por sojicultores gaúchos. A comparação entre essas duas viagens é inevitável. O que há de comum entre tais cidades? Quais estruturas permaneceram nesse país profundo distante dos grandes centros?
Canarana e Chapada Gaúcha são resultado do mesmo processo de ocupação do Brasil Central por agricultores gaúchos com apoio do Estado: terras baratas, novas rodovias, linhas de crédito agrícola etc. E Canarana do começo dos anos 90 tinha ares de novidade, de ousadia, de pioneirismo. Só esqueceram de combinar com os povos indígenas que já estavam lá….
A minha chegada em Chapada Gaúcha nos últimos dias foi um pouco diferente. Era uma atividade exploratória de um novo projeto sobre “territórios saudáveis e sustentáveis” com Jorge Machado, pesquisador-amigo da Fiocruz de Brasília. O Brasil do sonho grande havia sido substituído por um jogo bem pesado. Nas belas e bem conservadas estradas da soja não havia mais espaço para os diferentes…apenas carros importados muito novos e imponentes. Não havia mais espaço para os semeadores agrícolas puxados por animais, mas gigantescos implementos agrícolas. Havia um forte distanciamento social, talvez reforçado pelas medidas de segurança contra a pandemia da Covid-19 ainda mantidas ali.
Em Canarana ainda havia espaços de contato entre os diferentes. Não era difícil encontrar nas ruas diversos grupos mestiços ou mesmo indígenas. Na Chapada Gaúcha da semana que passou não. Diferente das áreas dos pioneiros gaúchos, as áreas das comunidades remanescentes de quilombolas não podem ser acessadas por estradas asfaltadas. Mas eles estão lá, com a sua produção de farinha, de pequi e outros frutos do cerrado. Com seus reisados e lundus. Muita, mas muita fé em São José. Para seu Domingos, o ancião da comunidade, “esse mundo de Deus é equilibrado: metade seco e metade chuvoso”. Comunidade de Barro Vermelho, presente!


 

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