Comecei essa semana inspirado pela obra de Lygia Fagundes Telles, a dama da literatura brasileira e a maior escritora nacional viva. Especialmente, nas duas primeiras crônicas da obra “A disciplina do amor”, dedicadas aos gatos que marcaram a juventude dela.
Nitidamente, Lygia admira os gatos. Afinal, apesar de nada humildes, eles representam a liberdade daqueles que jamais usam coleiras, sem perder a elegância e a calma. Gato não obedece. “Quando a ordem coincide com sua vontade, ele atende, mas sem a humildade do cachorro”. Daí eu me lembrei dos dois gatos que passaram pela minha vida: Bob e Mimi, ambos muito peludos e brancos.
Bob era o gato da Vivi que aproveitou sua vida boêmia na pauliceia desvairada dos anos 70. Certamente foi bem tratado em muitas casas por onde passava às noites. Ele curtia a minha irmã logo ao amanhecer, quando aparecia para dividir a coberta e o travesseiro ou para tomar uma tigela de leite que sempre estava à sua disposição ao lado da geladeira.
Mimi foi uma espécie de reencarnação de Bob no interior paulista. Diz nossa poetisa que “sexo de gato não é tão nítido como sexo de cachorro, leva um tempo para a descoberta do sexo e da idade”. Pura verdade. Mimi parecia que tinha 200 anos e passou por aqui para ofertar um pouco de alegria para Júlia, a minha filha que sempre fala pouco e olha muito.
Eu mesmo nunca tive interesse pelos gatos. E como bons felinos, Bob e Mimi sabiam muito bem disso ainda que não se importavam nem um pouco de fingir amor mesmo que discreto por mim.
Quem saiu ganhando com isso foi o Toddy, o cão vira-lata que ganhei do meu neto. Ele passou dois anos enrolado na preguiça, esperando o carinho dos meus pés debaixo da mesa do computador por onde me mantive em extensas horas em trabalho remoto durante a pandemia. Talvez tenha sido este convívio diário que favoreceu o meu vínculo sem precedentes com ele. Chegava a ser irritante a fina sintonia do Toddy aos meus mínimos movimentos. Levantava para ir ao banheiro ou beber água? Lá estava ele, abanando o rabo daquele jeito natural de manifestar alegria. Saía do escritório para esticar as pernas? Parecia até que o Toddy dava gargalhadas achando que eu ia rolar no chão com ele.
Mas tem hora que este cão parece um gato. Ele adora se enroscar comigo no sofá diante da TV, esticando as patas para cima “no ligeiro movimento de baixar as orelhas e apertar um pouco os olhos como se os ferisse a luz”. Eu acho que ele parece um felino porque foi um presente do Lucas, um menino-gato que adora os cães.