Recentemente, o governo da Itália publicou um decreto-lei que muda de forma drástica o reconhecimento da cidadania italiana por sangue (iure sanguinis). A nova regra limita esse direito apenas a filhos e netos de italianos nascidos na Itália, excluindo milhões de descendentes espalhados pelo mundo — especialmente no Brasil, país que abriga a maior comunidade ítalo-descendente fora da Itália.
Como cidadão ítalo-brasileiro e representante público que sempre defendeu a integração entre nossas culturas, não posso deixar de expressar minha preocupação e meu repúdio a esta medida. O decreto, embora tenha força de lei imediata, ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento italiano para que se torne definitivo. Esse prazo é crucial, pois é nele que nossas vozes, nossas tradições e nossos direitos precisam ecoar mais forte do que nunca.
Especialistas em direito internacional já alertaram que o decreto, além de carecer de requisitos de urgência para justificar a sua forma de adoção, é considerado inconstitucional. Ele viola princípios fundamentais da Constituição Italiana e de tratados internacionais, ferindo direitos adquiridos e impondo exigências discriminatórias, como a obrigatoriedade de residência na Itália para a transmissão da cidadania.
A cidadania italiana, para nós descendentes, não é um favor concedido: é o reconhecimento de um vínculo de sangue, de cultura, de história. É inadmissível que milhões de pessoas sejam excluídas dessa condição apenas porque seus antepassados, em busca de um futuro melhor, cruzaram oceanos há gerações. A exigência de residência é uma barreira artificial e injusta, que fere a igualdade e o direito à identidade.
Além disso, a medida representa um retrocesso estratégico para a própria Itália e para toda a Europa. Em um continente marcado pelo envelhecimento da população, a emissão de cidadanias é vital para sustentar sistemas de aposentadoria, saúde e, principalmente, para renovar a força de trabalho. Cada novo cidadão ítalo-descendente é uma ponte entre mundos, é inovação, é desenvolvimento, é cultura viva que retorna à sua origem para somar forças.
Por isso, junto com tantas entidades e cidadãos engajados, defendo que o Parlamento italiano revise, altere ou rejeite esse decreto. A mobilização das comunidades ítalo-descendentes já está em curso, e é fundamental que continuemos pressionando as autoridades para que a justiça e a história prevaleçam. Mesmo que o decreto seja aprovado, não desistiremos: ele pode e deve ser contestado nas cortes judiciais, inclusive na Corte Constitucional Italiana e na Corte Europeia de Direitos Humanos.
A história da imigração italiana é uma história de coragem, trabalho duro e esperança. Nossos antepassados deixaram sua terra natal, mas nunca deixaram de ser italianos no coração, na língua, nos costumes e nos valores. É nosso dever honrar essa história e garantir que seus descendentes continuem tendo reconhecido o direito legítimo de pertencer oficialmente à nação de onde vieram.
Eu sou favorável à dupla cidadania. Entendo que a cidadania, hoje, é mais do que um direito: é uma necessidade estratégica para o futuro da Europa. Ela representa a renovação do tecido social, o fortalecimento econômico e a revitalização cultural de regiões inteiras. Em tempos de desafios demográficos, negar a cidadania é agir contra o próprio interesse nacional.
Seguirei atento e atuante, ao lado das comunidades ítalo-brasileiras, para assegurar que essa conquista histórica não seja perdida. Mais do que uma luta jurídica, essa é uma luta pela preservação das nossas raízes, das nossas famílias e do nosso futuro comum.