SINOMAR CALMONA
Sempre me perguntam. O interesse pelo assunto é universal, um misto de curiosidade mórbida e incredulidade. "É verdade que você foi atingido por um raio?" A pergunta vem carregada da expectativa de uma história heroica ou sobrenatural. E a resposta é simples, quase desconcertante: "Verdade mesmo".
A verdade, porém, não está no drama, mas nos detalhes que a memória guarda com uma fidelidade impressionante. A cena se passa em Presidente Venceslau, num tempo em que a infância era medida em aventuras ao ar livre e não em horas de tela. Eu era criança, e a vida acontecia entre córregos e campos.
Naquele fim de tarde específico, voltávamos eu e uma turma de amigos do Córrego Ponte do Herrera. Ah, o Herrera! Tinha uma água limpa e cristalina, daquelas que refletiam o céu e escondiam peixes pequenos. É uma imagem que hoje vive apenas no arquivo morto da memória, pois o córrego, infelizmente, não existe mais como era. O progresso, ou o descuido, o assoreou por completo, soterrando aquela claridade sob a terra. É uma primeira perda, um pequeno luto que antecede o evento principal.
O céu que rugia e a correria para casa
O céu naquele dia não era amigável. Trovões ensurdecedores cortavam o ar, cada um mais assustador que o outro. E nós, um bando de meninos com a pele ainda úmida do córrego, atravessávamos um pasto. O campo aberto dava atrás da antiga Mariana, um cenário bucólico que, de repente, se transformou no palco de uma força primordial da natureza.
Não houve tempo para pensar. O clarão, o estrondo que veio junto e não depois, o choque que percorreu o corpo num piscar de olhos. Foi rápido, seco, definitivo. Um evento cósmico, uma das forças mais brutais do planeta, havia me escolhido – e passado.
A inocência que nem se lixou para a fúria do céu
E aqui reside o cerne da história, o fato que mais causa estranheza nos que a ouvem. Como se vê, não morri. Esta é a conclusão óbvia, a que gera o alívio e o espanto. Mas a segunda parte é a mais reveladora: "E como só tinha 12 anos, nem me lixei e continuei correndo..."
Esta talvez seja a verdadeira maravilha desta memória. A capacidade de resiliência não era heroísmo, era ignorância. A inocência de 12 anos não permitia que eu dimensionasse a morte que havia me roçado. Não houve trauma, não houve sequela psicológica, não houve um "antes e depois" marcado pelo medo. Houve apenas a continuação da vida, do futebol na rua, das próximas idas ao córrego – até que este secou.
Penso hoje que talvez tenha havido uma troca. O raio que poderia ter levado uma vida, levou apenas o córrego de águas cristalinas. E me deixou, a mim, apenas uma história para contar. Uma história simples, de um menino que, sem saber, foi herói por um instante, e seguiu em frente sem nem se lixar.