Já contei para vocês qual é o meu dilema existencial, não é? Ele se resume numa simples indagação: quem eu sou? Seria eu aquele menino que nasceu em Uberlândia ou o jovem que cresceu na cidade de São Paulo? Seria eu um mineiro de nascença ou um paulistano de formação? Ou eu seria apenas aquele eterno forasteiro na cidade onde trabalho? Bem, eu costumo dizer que desse simples dilema existencial tenho convivido com uma espécie de problema geográfico porque o que eu sou se confunde com outras duas questões: De onde eu vim? Onde estou?
Eu havia percorrido cerca de 18 mil quilômetros entre Presidente Prudente e Pequim. O céu azul e as flores que começavam a brotar nos jardins públicos daquele sábado era o prenúncio da primavera que se aproxima. Muitas pessoas nas ruas. Famílias inteiras a percorrer os marcos históricos da capital do país. E como é bom ver o povo nas ruas, mas aquela cena me deixou com uma saudade danada de casa e meu dilema existencial tornou a palpitar no peito. Eu estava diante da exuberante Galeria da Suprema Harmonia, um dos pavilhões da Cidade Proibida, que durante quase 500 anos serviu como residência do Imperador e centro cerimonial e político do governo chinês. Dali eu podia alcançar, há apenas dois quilômetros, a também famosa Praça da Paz Celestial, no centro histórico da cidade de Pequim. Impossível não estar ali e não se sentir pequeno diante do mundo.
Um filme passava na minha cabeça. Na cena de abertura eu fazia um sobrevoo naquele exato ponto da Praça Celestial que ficou imortalizado quando um jovem estudante (que ninguém nunca mais ouviu falar do seu nome) se colocou na frente e impediu o avanço de tanques do exército chinês. Era o terrível ano de 1989, que se tornou famoso pelo massacre de milhares de manifestantes contrários ao regime político da China. Poucos meses depois daquele episódio, eu me mudava para Presidente Prudente e começava a trabalhar no curso de geografia da Unesp. Agora eu estava ali, diante do Monumento dos Heróis ao Povo, do Mausoléu de Mao Tsé-Tung, dos palácios onde 24 imperadores foram coroados, se casaram, realizaram cerimônias sagradas e mantiveram o controle de todo o território chinês.
Depois de pouquíssimos dias de trabalho em Wuhan, volto para o Brasil tocado novamente pelo meu problema geográfico. Onde fica a minha morada? Levei o maior susto quando encontrei a resposta diante dos meus olhos. Da janela do avião eu avistei uma linda imagem do majestoso Níver, o gigantesco rio que rasga a África ocidental ao meio, rumo às profundezas do Atlântico. Salve a Mama África, pensei... E daí segui o meu destino, desde as águas de nossos ancestrais até as barrancas do Paranapanema, no velho oeste paulista, de onde tornei o que sou nesses últimos 35 anos!
