Desabrigados passam a virada do ano nas ruas

Falta de expectativas ou esperanças para 2017 torna resoluções da população em vulnerabilidade social simples e imediatista

PRUDENTE - MARIANE GASPARETO

Data 02/01/2017
Horário 13:41


Uma garrafa de aguardente, um maço de cigarros e uma estrutura mais confortável. São desejos simples que compõem o imaginário da população em situação de rua, obrigada pelas duras circunstâncias da vida a parar de sonhar muito alto. Ainda há, meio distante, o desejo de voltar para casa e rever a família. Mas ele vem balbuciado, meio envergonhado... mais do que isso: desacreditado.

A solidão não é novidade para Netulho José Alves, que passou a maior parte de sua vida longe do que conhece como lar. Foram quase três décadas em presídios do Estado e 12 anos nas ruas de Presidente Prudente. "Minha família nunca me procurou, porque não concordava com o que eu fazia. Diziam que eu não precisava roubar porque tinha tudo, casa, carro. Então, também nunca procurei por eles" afirma, revelando que a situação de marginalidade pode tirar muitas coisas de um homem, mas não o orgulho.

Jornal O Imparcial Para Ricardo, possibilidade de voltar para casa é atraente.Há 12 anos nas ruas, Netulho gostaria de sair da situação;

Brio que inclusive faz com que o preconceito e medo da população em torno dos "mendigos" não passassem despercebidos. Aos 63 anos, diz ter enfrentado muitas humilhações, que apenas serviram para calejá-lo. Ele relata que chegou a ser atendido pelo serviço de acolhimento do município, mas saiu por não ter como beber no local. "O jeito foi vir pra cá e viver de esmola, mas não tenho do que reclamar, todo dia vem alguém e nos deixa comida", declara. Apesar da aparente resignação, o idoso se permite imaginar a possibilidade de sair da situação em que se encontra há tantos anos, e espera talvez conseguir em 2017 um lugar para morar. "A idade vai chegando e a gente cansa", explica.

Netulho é um dos poucos de seu grupo receptivo à proposta de conceder uma entrevista. O grupo, que fica embaixo do pontilhão da Avenida Washington Luiz, até brinca – já que o colega "ficaria famoso" – mas se dispersa rapidamente diante da mínima possibilidade de ter de revelar detalhes pessoais. Permanece apenas Netulho, um morador chamado Ricardo Cardoso de Lima e um jovem chamado "Fabinho" – mas que não teve muita escolha, já que estava completamente desacordado no chão da calçada.

Há pouco tempo sem um lar – faz apenas seis meses que foi para a rua – Ricardo nutre esperanças mais concretas de retornar para sua casa, em Palmital (SP). Disse que, inclusive, visitou os familiares nos últimos dias, que teriam implorado para que ele retornasse para lá. Ainda assim, o motivo que o "segura" na situação em que se encontra é o mesmo do seu companheiro: o vício em álcool.

Ele passou muito tempo como chefe de cozinha em uma casa de recuperação, mas porque durante todo o período contrabandeava aguardente para a despensa, que cuidava sozinho. "Para te falar bem a verdade, eu não posso parar de beber, porque eu tomo cachaça para não fazer outras coisas, porque já fui traficante e usei drogas muito mais pesadas, que hoje eu quero ficar longe", admite, com a sinceridade natural de quem já não tem mais porque esconder sua realidade.

 

Serviço de acolhimento

Netulho e Ricardo são apenas duas personagens da triste paisagem desenhada na capital do oeste paulista e nos demais municípios do Estado. A população em situação de rua retrata a amarga desigualdade social agravada pelos altos índices de desemprego e vício em drogas. Seres invisíveis e miseráveis, marginalizados e negligenciados pela sociedade, sem direito à segunda chance, contam apenas com iniciativas do poder público para contar com algum tipo de auxílio.

Mesmo desabrigados, os moradores de rua da cidade poderão contar com uma ceia de ano-novo na noite de hoje e um almoço amanhã. O trabalho será realizado pelo Serviço de Acolhimento para População em Situação de Rua, com expectativa de atender cerca de 40 pessoas, conforme a assistente social Elaine Oliveira Pardo Biscaino. Além do órgão ligado à SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social), o Creas Pop (Centro de Referência Especializado de Assistência Social para a População em Situação de Rua) também realiza um trabalho na cidade atendendo pessoas em situação de rua, com equipe especializada em abordagem social.

 

 
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