Sou do tempo que a personagem principal da sala de estar era a radiola, um belo móvel de madeira que tinha acoplado um rádio stéreo e o toca disco “long play” (abreviado como LP). Para os mais jovens que possuem suas coleções musicais em nuvens virtuais, o LP era uma espécie de bolachão em cor preta fabricado com um material plástico chamado policloreto de vinila ou simplesmente vinil. As canções eram gravadas através de processos eletromecânicos e se transformavam em vibrações sonoras pelo atrito de uma agulha na ponta de um braço mecânico.
Tínhamos a vitrola, mas não muitos discos. Talvez o primeiro que entrou em casa foi um brinde do creme dental Kolynos. Era um disco de papelão revestido numa película de plástico com uma música de cortesia de Agnaldo Rayol: “A praia”!
Eu fui fazer a minha própria coleção de discos vinil somente no final dos anos de 1970 e mantenho guardado comigo algumas relíquias, como os discos de Milton Nascimento. Clube da Esquina 1 e 2, Travessia, Minas, Geraes, Txaí.....e, especialmente, Sentinela! Como é sublime a voz de Nana Caymmi!
Bem, para quem nunca viveu a experiência de escutar um disco de vinil, é preciso apreciar o conjunto da obra, a começar pela arte da capa e a sequência de músicas escolhidas pelo artista. Não se trata simplesmente de escutar uma música qualquer ou colocar numa ordem que cada um bem queira. Não. Começa-se pelo lado A, aproximadamente 30 minutos. Depois escuta-se o lado B, mais 30 minutos. Um ritual sagrado e de profundo respeito ao cuidado que o artista teve de escolher aquela sequência e não outra.
Claro que qualquer um poderia pular uma música ou retornar para a primeira, mas isto exigia certa destreza para levantar o braço mecânico da vitrola sem a agulha arranhar o vinil. Também não tinha problema algum se, por ventura, alguém riscasse um pouco o disco. Aquele chiado ganhava um toque especial e mais humano, em contraponto ao som “absoluto” do mundo digital.
Depois da década de 1990, os discos de vinil foram perdendo espaço para o CD até a música descolar-se completamente de algum objeto físico e ser incorporada vorazmente na bricolagem do mundo do copia e cola. Desvaloriza-se a forma e banaliza-se o conteúdo. Mas ouvi dizer que o disco de vinil está de volta. É sempre assim. O mundo nunca deixa de ser híbrido. Na semana que perdemos o Paulinho do Roupa Nova para a Covid-19 fica aqui o meu abraço aos amantes do vinil. Depois que passar tudo isto, já temos um encontro marcado. Vamos fazer uma “festa de arromba”. Cada um vai tocar o seu vinil predileto. Combinado?