Do abuso sexual ao feminicídio

OPINIÃO - Renata Maria Coimbra

Data 16/06/2019
Horário 07:10

Segundo reportagem publicada em 29 de abril de 2019, “Casos de feminicídio aumentam 76% no 1º trimestre de 2019 em SP. Oito em cada dez casos de feminicídio deste ano ocorreram dentro de casa e 26 dos 37 casos tinham autoria conhecida e foram considerados como feminicídios íntimos”, ou seja, foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros (G1 e Globo News).

Essas informações não resultam de suposições, são dados estatísticos, reais, produzidos por fontes fidedignas. Assim, deve-se problematizar: é possível promovermos ações que enfrentem as várias formas de violência contra as mulheres? O feminicídio é o exemplo mais extremo de uma cadeia de violências, pois é fatal. Mas, infelizmente, outras formas cruéis de violência, como o abuso e a exploração sexual, também acometem muitas crianças e adolescentes em nosso país (20.330 denúncias em 2017).

Um dos caminhos para enfrentamento das várias formas de violência passa por transformações culturais e valorativas. Essas transformações podem ocorrer através de trabalhos nos diversos âmbitos educacionais – formais (através das instituições escolares) e não formais, como se dão através dos processos educacionais promovidos pelas famílias, mídia e instituições religiosas.

No âmbito da defesa e proteção de meninas e mulheres contra todas as formas de violência, acredito que o maior desafio é desconstruir masculinidades tóxicas, que insistem em desvalorizar, diminuir, atacar e matar meninas e mulheres. Este desafio tem se tornado, a cada dia, mais complexo e difícil, uma vez que vimos assistindo a propagação de discursos (oficiais) que reforçam a misoginia e uma visão absolutamente patricarcal, sendo as mulheres vistas como submissas à lógica machista e inferiorizadas frente ao poder instituído, social, histórica e culturalmente, aos homens. Tais discursos legitimam o feminicídio e a violência sexual.

Os ataques às discussões sobre as relações de gênero e aos projetos de educação afetivo-sexual no interior dos espaços escolares, devido a vários equívocos na compreensão de termos como sexualidade, orientação sexual e identidade sexual (analisados por vieses moralistas e religiosos), impedem a clareza necessária para se pensar em ações de enfrentamento às várias formas de violência contra meninas e mulheres.

Por trabalhar há mais de 20 anos com a temática da violência sexual, seja através de ações na área da pesquisa, ensino e extensão (desenvolvendo projetos de educação afetivo sexual em escolas e campanhas de mobilização e conscientização sobre as violências contra crianças e adolescentes) vinculadas à FCT-Unesp de Presidente Prudente, defendo e sempre defenderei que um dos principais caminhos para enfrentamento destas violências ocorre por meio de ações escolares, através de projetos de educação afetivo-sexual de qualidade e bem conduzidos.

Projetos de educação afetivo-sexual, tais como conheço e ajudo a desenvolver, oportunizam às crianças e adolescentes, ferramentas para seu pensamento crítico acerca de: relações interpessoais e de gênero, compreensão da diversidade sexual, problematização das relações assimétricas de poder, e principalmente, os auxilia na identificação das várias formas de violência às quais possam estar expostos e na sua autodefesa. Esta é uma das estratégias mais importantes para o fortalecimento de crianças, adolescentes e mulheres, pois quando estiverem sendo vítimas de abuso sexual e de violência de gênero (como é o caso de feminicídio) terão condições de procurar ajuda.

Discursos contrários às intervenções no âmbito da educação afetivo sexual nos espaços educacionais só protegem os violadores. Para concluir, a defesa que aqui faço está respaldada em normativas legais: Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1996).

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