Economia em debate: presidente do Corecon-SP detalha papel dos economistas e desafios do país

Odilon Guedes, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo, está em Prudente para o 12º Café com Economistas da região, que ocorre na manhã deste sábado, a partir das 8h, no Hotel Ibis Style Portal d' Oeste

PRUDENTE - SINOMAR CALMONA

Data 19/07/2025
Horário 04:55
Foto: Sinomar Calmona
Odilon Guedes participa hoje do 12º Café com Economistas, em Prudente
Odilon Guedes participa hoje do 12º Café com Economistas, em Prudente

Em entrevista exclusiva a O Imparcial, Odilon Guedes, presidente do Corecon-SP (Conselho Regional de Economia de São Paulo), abordou a importância de levar o debate econômico ao interior, defendeu o papel fundamental do Estado na economia, discutiu a necessidade de reindustrialização do Brasil e criticou os impactos das tarifas comerciais dos EUA, além de propor caminhos para um crescimento mais inclusivo e sustentável.

Qual a importância de realizar o Café com Economistas em cidades do interior como Presidente Prudente? E o que o evento representa para o diálogo econômico regional?

É uma atividade superimportante que o Conselho está desenvolvendo. Já visitamos várias regiões do Estado, focando no município que é o centro da região. Nosso objetivo é levar o economista e valorizar a profissão. À medida que apresentamos o Conselho e o que ele pode fazer pelo economista, inclusive discutimos com a Faculdade Toledo a possibilidade de reativar o curso de Economia. A região de Prudente tem inúmeras empresas importantes que precisam de profissionais capacitados para se desenvolver.

"A região de Prudente tem inúmeras empresas importantes que precisam de profissionais capacitados para se desenvolver"

Outra questão é a área pública, onde é fundamental ter economistas para planejamento. Este ano, por exemplo, todos os municípios do Brasil precisam fazer um Plano Plurianual de Investimento [PPA] de quatro anos, que é superimportante. A maioria das pessoas nem sabe que existe, e muitas vezes essa ação acaba nas mãos dos contadores, que são muito importantes, mas o economista tem uma formação específica em planejamento.

Um dos objetivos desse café é divulgar o trabalho do Conselho, a importância da economia, valorizar a profissão e tentar ampliar o mercado de trabalho. Nos baseamos no artigo terceiro da Constituição Federal, que poucos conhecem, e que estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil acabar com a desigualdade social. Isso não é coisa de esquerda nem de direita, está na Constituição Federal. Baseados na Constituição, no juramento dos economistas e na Lei 1411/51, que institucionalizou o Conselho Federal, temos feito debates importantíssimos sobre a economia do país.

Quais os temas centrais a serem abordados nos debates e documentos elaborados pelo Corecon-SP?

Já elaboramos seis documentos importantíssimos. Um deles, que abordaremos neste sábado, é o papel do Estado. O Estado é fundamental para o desenvolvimento econômico. Sempre houve uma campanha para menosprezar o papel do Estado, mas ele é fundamental. Dou alguns exemplos: a Embrapa, uma empresa estatal de altíssimo nível, trabalha para o agronegócio, e até a ministra Teresa Cristina, ligada ao setor, reconheceu sua importância ao refutar a privatização. Outro exemplo é o Banco do Brasil, que abriu crédito para o Plano Safra – mais de R$ 500 bilhões em ajuda subsidiada. Se não fosse o Banco do Brasil, o agronegócio pagaria muito mais caro. Grande parte das exportações da Embraer foi por causa do financiamento do BNDES. Este é um documento com dados objetivos que será apresentado.

A outra é sobre a questão da neoindustrialização, a reindustrialização do país. O Brasil, com 215 milhões de habitantes, sofreu um grave processo de desindustrialização a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, que continuou com Lula e Dilma, porque nossa moeda foi sobrevalorizada, valendo muito mais do que deveria. Muitos empresários, em vez de produzir aqui, passaram a importar. Isso desindustrializou o Brasil. Não podemos ficar sem indústria.

"Muitos empresários, em vez de produzir aqui, passaram a importar. Isso desindustrializou o Brasil"

Inteligência artificial e finanças públicas

Que outros temas relevantes o Corecon-SP tem levado para debate no interior do Estado?

A terceira palestra, que o Wellington fará, é sobre a inteligência artificial, uma questão central para todo mundo hoje. Além disso, temos discutido e divulgado o trabalho sobre finanças públicas. Sou economista, mestre em economia, fui vereador e subprefeito de São Paulo. Lá, me especializei em finanças públicas e dava aula de orçamento. O orçamento é o coração do governo, todas as receitas e despesas estão ali, e as pessoas não conhecem.

"O orçamento é o coração do governo, todas as receitas e despesas estão ali, e as pessoas não conhecem"

Quando fui subprefeito, coloquei os dados do orçamento em linguagem acessível na sala onde as pessoas entravam. Em vez de "serviço de terceiro", colocava "contratação de empresa de limpeza de córrego: tantos milhões". Fazia um balanço mensal e distribuía para todos. Isso deu uma credibilidade enorme e é uma questão de cidadania.

Este é um trabalho que estamos fazendo e divulgando pelo interior do Estado, assim como os documentos que elaboramos. Outro ponto importantíssimo é que já conversamos com a direção da Febraban, Fiesp, representantes da Confederação Nacional da Agricultura e o DIEESE. No próximo mês, falaremos com o presidente do Banco Central para discutir a questão da Selic, pois o juro real no Brasil é o primeiro ou segundo mais alto do mundo, o que gera problemas para todos. O Conselho está com uma série de atividades importantíssimas para nossa categoria e para a sociedade.

Crescimento inclusivo e sustentável: reformas necessárias

Que políticas econômicas o senhor considera essenciais para garantir um crescimento mais inclusivo e sustentável no Brasil?

É preciso usar as políticas macroeconômicas. Por exemplo, a política fiscal, que trabalha com arrecadação e despesa pública. Grande parte da mídia televisiva fala o tempo inteiro que o Estado precisa cortar gastos. Mas o Estado tem um papel fundamental. Cento e sessenta milhões de brasileiros não têm plano de saúde; se não for o Estado, onde seriam atendidos? Não haveria vacinas, etc. Oitenta e três por cento dos estudantes antes da universidade estão em escola pública.

O Estado tem um papel fundamental na política fiscal e precisa ter capacidade de investimento, para isso precisa arrecadar. A estrutura tributária do Brasil é extremamente injusta. A população de baixa renda paga proporcionalmente mais imposto do que quem tem muito dinheiro. Se você compra uma televisão de R$ 2 mil, 45% é tributo (R$ 900). Quem ganha R$ 2 mil por mês paga 45% do que ganha em imposto. Quem ganha R$ 50 mil por mês paga 1,8%.

"O Estado tem um papel fundamental na política fiscal e precisa ter capacidade de investimento, para isso precisa arrecadar"

Precisamos copiar o que acontece nos Estados Unidos e na Europa, onde a carga tributária direta é mais pesada que a indireta. A indireta é sobre serviços e comércio. Precisamos diminuir a carga indireta e aumentar a direta, como o Imposto de Renda, de forma escalonada, cobrando mais de quem tem mais. Isso é uma reforma fundamental.

Outro exemplo delicado é o imposto sobre herança. Quando a Princesa Diana faleceu, deixou 30 milhões de dólares de herança, e o governo inglês cobrou cerca de 15 milhões (quase 50%). Aqui no Estado de São Paulo é 4%. Ninguém quer pagar imposto, mas como o Estado vai fazer políticas públicas e investir em infraestrutura? O papel do Estado é aumentar a arrecadação no setor da sociedade com mais condições de pagar e diminuir onde a sociedade não tem.

"Ninguém quer pagar imposto, mas como o Estado vai fazer políticas públicas e investir em infraestrutura?"

E quanto aos gastos públicos? Onde cortar? O setor judiciário no Brasil é o segundo mais caro do mundo. O salário legal máximo é do juiz supremo (R$ 46.300), mas a maioria dos juízes ganha mais de R$ 60 mil por mês, além de "penduricalhos" que podem chegar a R$ 500 mil. Não há Estado que se sustente assim. Outro exemplo: os únicos servidores públicos que se aposentam com salário integral são os militares. O resto, inclusive outros servidores, se aposenta com o máximo que a Previdência paga hoje, que é R$ 8.100. Se um general se aposenta com R$ 30 mil, ele vai ganhar isso a vida toda e a viúva dele também. É preciso mexer nessas coisas, mas o governo não tem coragem de mexer com o Judiciário e com os militares.

Também pergunto: vai cortar no Benefício de Prestação Continuada [BPC]? Muitos nem sabem o que é: uma transferência de renda para idosos ou pessoas com doenças muito graves que vivem em famílias cuja renda média é de um quarto do salário mínimo. Não dá para cortar nisso, pois essas pessoas morrerão de fome. São essas questões que debatemos, sem radicalismo, baseados no artigo terceiro da Constituição Federal, mostrando que é possível avançar na resolução dos problemas sociais e de infraestrutura, como muitos países europeus já fizeram.

“Ninguém quer pagar imposto, mas como o Estado vai fazer políticas públicas e investir em infraestrutura?”

Aproximando a economia da sociedade e os impactos do tarifaço

Qual o papel do Corecon em aproximar a economia da sociedade civil para além do debate acadêmico e técnico?

Por exemplo, essas visitas nossas. Estivemos na Associação Comercial, na OAB, e conversamos hoje [ontem] com o prefeito de Prudente [Milton Carlos de Mello, Tupã] sobre como podemos trabalhar juntos. Discutiremos com essas entidades locais — Associação Comercial, OAB e outras — como analisar e diagnosticar o município, o que é possível investir aqui para gerar emprego e melhorar a renda. Este é um papel importante do economista no nível local.

E há o debate nacional. Grande parte das pessoas não consegue compreender o que está acontecendo no mundo, ainda mais agora com Trump, que preside a maior potência econômica e militar do mundo e é imprevisível. Isso causa uma desestabilidade mundial. Como o empresário vai investir agora?

Um produtor de laranja, por exemplo, não sabe o que vai acontecer com a exportação. O Brasil é o maior exportador de laranja para os Estados Unidos. Ou a venda de carne, importante aqui na região. Como se faz sem segurança? Os economistas precisam discutir essas questões para esclarecer o empresariado sobre o que é possível fazer, que medidas podem ser tomadas. Não há mágica; é preciso fazer o diagnóstico e propor caminhos. A ideia é aproximar o Conselho e os economistas da discussão pública, informar a população, os empresários e o setor público para que tenham entendimento, formem opinião e façam análises. É fazer a junção desses setores para que a engrenagem possa caminhar em conjunto.

"Não há mágica; é preciso fazer o diagnóstico e propor caminhos"

Voltando a falar sobre os impactos do "tarifaço" de Trump. Como o senhor avalia seus efeitos na economia brasileira?

Acho que Trump fez uma coisa absurda, misturando política com economia. Esse tarifaço, por exemplo, aumentará em 50% o preço da laranja dentro dos Estados Unidos, que importam a maior parte do Brasil. Eles vão continuar importando, mas pagarão mais caro, aumentando a inflação americana. O mesmo com a celulose, da qual dependem muito para fraldas e outros produtos. Isso impactará a inflação americana. O aço brasileiro e o café brasileiro, dos quais importam muito, também. Isso tudo vai impactar a inflação americana.

“Acho que Trump fez uma coisa absurda, misturando política com economia”

É um problema grave. Prejudica o comércio dos Estados Unidos e o Brasil. Já há milhares de toneladas de carne para exportação sem destino. O Brasil terá que procurar novos mercados e ver a capacidade do mercado interno de absorver essa produção. Acho que devemos dar um tempo, pois Trump costuma voltar atrás. Mas o governo brasileiro precisa tomar providências se a tarifa permanecer. Não podemos ficar de braços cruzados.

"O governo brasileiro precisa tomar providências se a tarifa permanecer"

Foi aprovada a Lei da Retaliação, que permite ao governo brasileiro aumentar a tarifa em relação à importação de produtos americanos. O governo precisa negociar no limite. Se for implantada, essa tarifa não pode ser geral, para não prejudicar a população. Alguns setores, como medicamentos, podem ter patentes quebradas para produzir internamente e baratear o remédio. Outra área é a importação de filmes e todo o setor digital. Os Estados Unidos têm um lucro brutal nisso, e poderíamos criar problemas para as empresas americanas. É preciso procurar outros mercados. O governo e o empresariado não podem esperar; precisam tomar iniciativas para superar essa situação, que é difícil, mas em momentos de crise superamos muita coisa.

Dou um exemplo histórico: na década de 1930, a crise da bolsa de Nova York em 1929. O Brasil era agroexportador, principalmente de café. O preço do café caiu muito no mercado internacional. O Brasil, que importava muitos produtos industriais, perdeu capacidade porque parou de entrar moeda forte. Houve então um incentivo do governo Getúlio para a industrialização do Brasil. Foi aí que começou a industrialização brasileira, mudando do modelo de agroexportação para substituição de importações. Foi um período difícil, mas superamos a crise.

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