Todas as noites, ele acende sua vela para São Jorge. A chama tremeluz, vacilante dentro da latinha de leite condensado, como se soubesse do respeito que era preciso ter por aquele santo de armadura e coração de povo. Afinal, Jorge não é santo de missa só. Ele desce pro jogo, entra no ônibus, sustenta o botequim, dorme nas paredes da cela e também nos olhos da mulher que cria sozinha. É guerreiro, sim, mas também é conselheiro. Um santo sem censura, que entra onde for preciso. Dizem até que mora na lua — e não é à toa que muitos, ao olhar pro céu, enxergam um cavalo branco cravado no luar, chamando Apófis, aquela serpente gigantesca espiralada e com escamas negras que tentava engolir o Deus Sol para instaurar o caos e a escuridão no Egito Antigo. Ou Hidra de Lerna, que habitava os pântanos e era conhecida na Grécia antiga por seu veneno mortal e pela capacidade de regenerar-se, quando uma de suas múltiplas cabeças era cortada.
Talvez seja por isso que tem gente que diz que São Jorge é superstição. Coisa antiga. Mas vá dizer isso para essa gente que sente o coração mais leve toda vez que acende sua vela. Ou ao garoto que desenha Jorge derrotando o dragão, imaginando que ali está vencendo seus próprios medos. São Jorge não precisa que ninguém acredite nele, não. Ele só precisa continuar sendo o que é: o que marcha ao lado dos que não podem parar!
Na laje, o rádio silencia. No morro, a vela já virou pavio. No céu, a lua brilha com mais força. E lá está ele: Jorge, montado, firme, brilhando entre estrelas, guardando os nossos sonhos. Porque os dragões - essas feras híbridas - sempre habitaram os sonhos humanos. Desde Tiamat, a serpente primordial das águas caóticas e do oceano mesopotâmico, até o dragão chinês - símbolo de força, sabedoria e prosperidade. Símbolo cultural central na China, intimamente ligado à figura do imperador. Emblema do poder imperial.
E talvez — só talvez — você desenhe também o seu próprio dragão. Afinal, Jorge é santo e orixá. Guerreiro e guia. Conselheiro de lavadeiras, amigo de motoristas, protetor de quem cruza a cidade de madrugada. Ele é o que marcha ao lado dos que não podem parar. Porque às vezes é preciso ser Jorge... Olhar o dragão nos olhos - e rezar: “São Jorge, cavaleiro corajoso, intrépido e vencedor; abre os meus caminhos [...] Nada impede o meu caminhar [...] Eu não escondo de ninguém a minha devoção [...] Só energia boa [...] Com as armas de Jorge, o bom da vida é viver”. Salve Jorge!