Ser mãe é viver entre alegrias e desafios diários. Para a cardiologista Renata Martos Grion, cooperada da Unimed de Presidente Prudente, essa experiência veio acompanhada de provações inimagináveis. Durante a gravidez, precisou enfrentar a chegada do zika vírus ao oeste paulista, em meio a incertezas e medo generalizado. Pouco tempo depois, veio outro desafio: o diagnóstico de câncer de mama. Hoje, a médica preza por construir boas memórias ao lado da filha, celebrando cada momento vivido.
A jovem médica havia acabado de se especializar em cardiologia quando, durante a residência, descobriu a gravidez. Na mesma época, o vírus zika começava a avançar na região, gerando apreensão diante das incertezas sobre formas de transmissão, sintomas e consequências da doença. Assim começava sua primeira batalha: o medo. No oeste paulista, o primeiro caso confirmado oficialmente foi registrado em março de 2016.
Diante do momento, Renata ouviu que seria interessante parar com a residência e ficar em casa. “Eu disse: ‘preciso terminar’. Estava no final, foi um período de repelente e roupas compridas o dia inteiro. Eu ficava bem apreensiva, mas acreditando que tudo daria certo. Gestação é um processo complexo, no sentido de tudo ser novo e você estar ansiosa, mas com esse período do zika foi bem difícil”, conta.
Equilibrada a apreensão em relação ao zika, começou o verdadeiro desafio da maternidade: Maria Cecília chegou ao mundo. “Nos primeiros meses, você chora, fica desesperada e, mesmo sendo médica, não sabe o que fazer. Você fica perdida e insegura. A gente também faz um luto da vida que teve, porque você deixa de ser aquela pessoa. Eu deixei de ser a Renata para ser a Renata mãe da Maria. Então, a prioridade na sua vida agora é seu filho”, relata a cardiologista, que também comenta que tudo vai ficando mais fácil após o primeiro ano.
Segundo a cardiologista, é após o nascimento do filho que se compreende, de fato, o que é a maternidade. “Mesmo quando você sai para trabalhar, sabe que precisa dar conta das obrigações sem deixar a filha sofrer com suas escolhas — até porque ser mãe foi uma escolha minha, e ser mãe médica também”, explica. Ela descreve a transformação como uma mudança abrupta, que impacta desde as amizades até a rotina do dia a dia.
A mudança também ocorre na vida profissional. Depois do nascimento de Maria e do fim da licença-maternidade, Renata tomou a decisão de não trabalhar mais à noite. “Eu amo o que faço e não me imagino em outra profissão. Quando você tem filho, vem a culpa por não estar presente o tempo todo. Mas, ao mesmo tempo, a gente precisa fazer o que gosta, mostrar isso para os filhos e ensinar que isso também faz parte da vida”, destaca.
Após alguns meses, Renata se viu diante de outra grande batalha: o diagnóstico de câncer de mama. Maria tinha cerca de 1 ano e meio. “Na época, eu estava atendendo em um posto de saúde quando saiu o resultado da biópsia que eu havia feito. Era uma quarta-feira de Carnaval. Eu atendia um paciente, chorava um pouquinho, atendia outro, e assim fui até terminar a agenda daquele dia”, lembra. No dia, ela se despediu sem saber quando voltaria e o que a aguardava.
Embora tenha sido difícil enfrentar a situação com uma filha pequena, Renata destaca que o fato de Maria não compreender o que estava acontecendo foi positivo. “Tive uma rede de apoio muito forte, com o suporte essencial da minha mãe e da babá, especialmente porque precisei operar em Campinas [SP], onde fiquei 10 dias no pós-operatório. Tive que deixar minha filha com minha mãe e a babá, sabendo que ela estava bem cuidada, para poder cuidar de mim. Meu marido às vezes me acompanhava e, em outras ocasiões, ficava com o pai dele, que estava tratando uma leucemia recém-diagnosticada. Então, contei muito com o apoio delas”, recorda.
“A gente tem que ter gente legal e ponta firme do nosso lado, senão a gente não dá conta. Eu tive que ficar sem trabalhar na época do meu tratamento e fiquei mais em casa, mas nesse período de tratamento específico e quimioterapia, você fica mal, você quer cama. Então, eu contei muito com essa rede de apoio. E Deus dá força e passa”, salienta a médica.
Renata conta que a filha guarda poucas lembranças daquele período conturbado e da queda de cabelo da mãe, e que essas memórias vêm principalmente das fotografias. “Acho que ela não sofreu porque ainda não tinha ainda esse entendimento. E a gente também não deixou isso chegar nela. A gente tentava continuar a vida dela normalmente”, afirma.
No entanto, as novas memórias serão importantes. Em meio à rotina corrida com pacientes, Renata se adapta e encaixa momentos com a filha, como um almoço ou buscá-la na escola. “Depois que eu tive câncer de mama, eu fiquei com isso de tentar criar boas memórias, que é o que fica. Se você parar a pensar na sua infância, você lembra tudo? Você não lembra tudo. São umas memórias pontuais. Então, eu fico pensando em criar memórias com ela”, expõe.
“A gente vai tentando organizar. Claro que a gente falha, né? Às vezes, você não consegue fazer tanto, porque tem que dar atenção aqui e ali. Mas a gente vai. E é isso, equilibra um prato hoje, no outro dia equilibra o outro e vai tocando para frente”, afirma.
Por fim, Renata ressalta que, mesmo com desafios, é gratificante ser mãe. “Nunca vai ser fácil, mas é possível. A gente vai ter que equilibrar os dois [maternidade e trabalho], mas se é isso que te faz feliz, tem que fazer, porque é importante a criança ver a mãe feliz. Então, eu deixo bem claro para a Maria: ‘A mãe trabalha porque a mãe precisa, mas a mãe trabalha porque a mãe gosta’, para ela entender que isso faz parte da nossa vida e crescer sabendo o valor disso”, conclui.