Dias atrás, estive no Palácio Libertad, em Buenos Aires, acompanhando uma apresentação da Escuela de Formación Nacional en Danza, vinculada à Secretaria Nacional de Cultura da Argentina. Esperava um espetáculo tradicional, com coreografias, mas o que encontrei foi algo mais surpreendente, um ensaio aberto, onde o público é convidado a ver o processo, entre, o erro, a pausa, a busca, a construção coletiva. A escola é um espaço de formação artística destinado a crianças e adolescentes, que busca oferecer um primeiro contato com o movimento e a expressão corporal.
A proposta pedagógica parte da ideia de que a educação por meio da arte é uma forma natural de cultura, indissociável ao desenvolvimento intelectual, afetivo e social. As aulas são construídas a partir de uma metodologia própria, supervisionada pelas diretoras Margarita Fernández e Lorena Merlino, e ministradas pela professora Analía Domizzi, mulheres que tratam a dança não somente como espetáculo, mas como linguagem viva, pedagógica de formação e transformação.
Aquilo que normalmente é escondido das apresentações ou inacabado virou arte. E, de repente, percebi que a beleza estava justamente ali, na vulnerabilidade dos corpos que tentavam encontrar sintonia em suas conexões.
Ao sair, no hall principal do Palácio Libertad, uma grande instalação com a frase escrita em letras coloridas chamava a atenção: “Arte: ese espacio entre el cielo y el infierno.”
Fiquei parado diante dela. Pensei no quanto a arte habita esse lugar do meio, nem o da perfeição, nem o inferno da destruição, mas o espaço da travessia, onde tudo é tensão, encontro e aprendizado.
Num tempo de polarização política, em que cada lado parece viver num extremo, incapaz de escutar o outro, talvez seja urgente reaprender com a arte.
Porque o diálogo também é uma forma de ensaio e é imperfeito, exige paciência, exige escuta e disposição para errar e recomeçar.
Vivemos como se existissem apenas dois lugares — o céu e o inferno —, mas esquecemos que a vida acontece no espaço entre eles, nesse território fértil das contradições.
A arte nos mostra no cotidiano que o conflito não é o fim, mas o começo do entendimento. E que a beleza, assim como a democracia, nasce da capacidade de ouvir, de acolher a diferença e de reconhecer a humanidade que existe em cada gesto, mesmo quando ele é imperfeito.