Eu não te conheço criança. Não sei quem é você, onde mora, quem são seus pais e irmãos, se ainda os possui, se tem com eles algum tipo de relação boa ou ruim, se os deixou chorando ou sorrindo;
Não sei mesmo quem é você rapaz, que tem uma imagem garoto gente boa da turma, mas que tantas vezes acorda à noite desesperado, não com pesadelos bobos, mas por conta de sua ansiedade, dos medos que o cercam e que são muito mais reais do que o “monstro que sai do armário ou mora embaixo da cama”.
Desculpe garotinha, mas nem imagino a dor que você sente ao ser abusada repetidamente por alguém que deveria te amar. Não faço a mínima ideia do que se passa por sua cabeça ao não poder denunciar, quantas vezes já pensou em desistir, em tirar a própria vida para eliminar a dor que é viver nesta condição. Não faço ideia mesmo;
E você, adolescente bonito de cabelos bagunçados e olhos atentos, eu também ignoro que só queria chegar em casa e poder partilhar com seus pais o que sente, os amores que vive, a angústia de um mundo em ebulição nesta época da vida, mas não pode porque eles simplesmente o ignoram;
Eu sequer desconfio do quanto você menina de cabelo curtinho sofreu de bullying por não ter o padrão de corpo “exigido” pelas redes sociais e pela própria sociedade em geral;
Eu não te conheço menino negro da periferia e muito menos sei da raiva, da dor e da confusão mental que o cerca ao ser vítima rotineiramente de racismo e discriminação;
E também há você, jovem líder da turma, que descobriu já tão cedo o talento de pregar, de levar uma palavra de fé, de carinho e consolo. Sei que deseja mudar o mundo, mas muitas vezes se surpreende com a natureza difícil do ser humano;
Olho ao lado e vejo tantas pessoas que conheço de vista, mas que evangelizam pela alimentação, limpeza, música, oração, apoio e manutenção de toda estrutura. Quais as dores que deixaram para trás e superaram para servir?
E o que se passa em sua cabeça amigo líder? Durante meses sonhou em proporcionar amor a tanta gente e conseguiu, mas nem sei quanto de sono perdeu, quanto trabalho ficou para trás e em que estado sua casa, amigos e família ficaram depois de tanta dedicação ao próximo;
Enfim, sentado ao lado da cozinha do acampamento onde servi por cinco dias seguidos – manhã, tarde e noite -, eu pensava em muitas coisas, mas especialmente na força que surge em cada um de nós quando temos a certeza de que a só tem sentido quando é dedicada assumidamente ao outro. Um outro que não sabemos quem é, o que passa ou sente, mas que recebe de nós o amor mais original.
Se servir ao próximo não é sinônimo de felicidade, não sei dizer mais o que possa ser.