A atmosfera no HE (Hospital de Esperança) de Presidente Prudente carregava um peso diferente nesta semana. Não era apenas o burburinho habitual de um centro de saúde em pleno funcionamento, mas a reverência silenciosa de quem recebe uma visita ilustre. Bernardete Querubim, uma das fundadoras e alma mater da instituição ao lado de D. Maria Auxiliadora Freitas Constantino, caminhava pelos corredores que um dia foram apenas um sonho seu e de seu marido, Antonio Sérgio Querubim. Ao ser informada de que o hospital já presta cerca de 10 mil atendimentos por mês, a emoção transbordou. Ela procurou o presidente Ricardo Anderson Ribeiro e o vice Jorge Guazzi não para um cumprimento formal, mas para um agradecimento que era a culminação de quase três décadas de luta.
Com os olhos marejados e a voz embargada por uma mistura de saudade e orgulho, Bernardete não mediu palavras para expressar sua gratidão à atual direção. “Abençoe, ó!”, começou ela, num português sincero e cheio de fé. “Eu tô fazendo o terço da madrugada. Todos os dias eu peço pra Deus abençoar vocês, porque não é fácil... Você tá no meio de gente doente. Ó, gente tem que ter muito amor e tem que ter... Nossa, tem que ter... Muita dedicação”.
O momento mais importante da sua fala veio quando ela transferiu todo o crédito para o grande amor de sua vida. “Obrigada e parabéns pelo... Seus sonhos estão sendo... Não, não é nem meu, é do Sérgio”. Era o reconhecimento de que aquele monumento à vida era, antes de tudo, a materialização do sonho de um homem que partiu cedo demais.
Bernardete então fez uma viagem no tempo, até 25 de setembro de 1997. “Nossa, como passa, né?”, recordou. Foi ali que tudo começou, não com grandes investimentos, mas com a força inconquistável da comunidade. “A gente começou com uma equipezi-- a turma da mulherada”, disse, rindo da própria gafe carinhosa. “Uma levava um presente, outra fazia um bingo, um chá e pão, aí vendia os pães e dava a receita. E olha, devagarzinho vai indo, trabalho de formiguinha. Uma andorinha sozinha não faz verão”.
Era uma estratégia simples, mas poderosa: unir pessoas. Ela relembrou com carinho a dedicação de voluntárias anônimas, citando especificamente uma das primeiras secretárias, recentemente falecida. “Ela tá no primeiro estatuto nosso”, disse, com um tom de homenagem.
A semente do Hospital de Esperança, contou Bernardete, não foi plantada com a ideia de um prédio, mas com um gesto de compaixão. Tudo começou com o próprio Sérgio comprando remédios para combater os efeitos colaterais da quimioterapia de pacientes carentes. “Ele conseguiu através do laboratório um preço lá embaixo”, narrou. “Eu arrumava o dinheiro, o Sérgio comprava e entregava pras mulheres que tavam fazendo quimioterapia. Então, foi o primeiro trabalho voluntário nosso”.
Foi a dor das longas viagens para São Paulo em busca de tratamento que solidificou a certeza de que a cidade precisava de seu próprio centro. “Ele falava: 'Não, gente, nós temos que ter aqui'... porque a gente teve quem indicasse São Paulo para nós, né? Mas e quem não tem?”.
A luta pela construção foi épica. O grupo, incluindo nomes fundamentais como Joel Turino, Stanley Zaina, D. Maria Auxiliadora e Antonio Plácido Pereira, peregrinou por hospitais de referência como Barretos e Jaú em busca de conhecimento e inspiração. A história ganhou ares de destino quando contrataram o mesmo arquiteto por trás do famoso Hospital de Câncer de Barretos. “Ele tinha 94 anos. Lúcido, parece uma benção”, lembrou Bernardete sobre o Dr. Jarbas, a quem creditou a construção de "400 hospitais no mundo". O arquiteto deixou um assistente para tocar a obra, garantindo que seu legado de solidariedade continuasse.
Ao final de sua fala, repleta de memórias e nomes de heróis anônimos, Bernardete Querubim olhou para o presidente Ricardo Anderson não mais como uma fundadora, mas como uma avó que confia um tesouro precioso às novas gerações. Suas palavras finais foram um misto de súplica e incentivo, carregadas de toda a carga emocional de uma vida dedicada àquela causa. “Pelo amor de Deus, Ricardo, vocês não deixem isso aqui parar”.
Era mais que um pedido. Era a passagem de um testemunho, a certeza de que o sonho do Sérgio, regado pelo suor de centenas de voluntários e pelo terço da madrugada de Bernardete, estava, finalmente e para sempre, em boas mãos.