Gravadores investigam presença de fauna em áreas reflorestadas

Projeto do IPÊ e CTG Brasil usa tecnologia para avaliar valor econômico dos serviços da natureza no oeste paulista

REGIÃO - DA REDAÇÃO

Data 28/02/2021
Horário 05:12
Foto: Simone Tenório
Gralha-picaça está em todos os ambientes estudados
Gralha-picaça está em todos os ambientes estudados

A restauração florestal é o principal caminho para restabelecer o habitat natural e salvar espécies ameaçadas na mata atlântica de interior. Para isso, o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) , há mais de 20 anos realiza plantios estratégicos de florestas no Pontal do Paranapanema, extremo oeste de São Paulo. Mais de 3 milhões de árvores já foram plantadas pelo instituto. Parte delas, em parceria com o setor privado.
Para avaliar o impacto desses reflorestamentos e o quanto ter floresta é importante para a região, o IPÊ realiza o projeto “Desenvolvimento de procedimentos simplificados para a valoração econômico monetária de serviços ecossistêmicos e valoração não monetária de serviços ecossistêmicos culturais associados à restauração florestal”, uma parceria com a CTG Brasil, uma das líderes em geração de energia limpa do país e responsável pela operação de oito usinas hidrelétricas no Rio Paranapanema, por meio de um projeto de Pesquisa & Desenvolvimento - P&D Aneel.
Desde 2015, pesquisadores têm avaliado a presença de animais em áreas florestais estratégicas, como fragmentos e corredor florestal, e também analisam o valor econômico dos serviços ecossistêmicos (serviços da natureza) prestados por essas áreas (melhora da água, do clima, dispersão de sementes, qualidade do solo, entre outros).
Em sua segunda fase, com duração de 40 meses, o projeto dá sequência ao uso da tecnologia, como a instalação de gravadores para ouvir e identificar quais animais estão utilizando as florestas nas Acas (áreas de conservação ambiental), mantidas pela empresa, que já investiu em ações que resultaram no plantio de 14 milhões de árvores (em 8.392 hectares), e na conservação de 3.990 hectares de áreas em regeneração natural, auxiliando na conservação das paisagens nas Acas envolvidas.

Uso dos equipamentos

A escolha dos gravadores como suporte à pesquisa está repleta de benefícios para a ciência a curto e longo prazo. “Os equipamentos são simples, confiáveis e tem um valor acessível. É possível monitorar, além das espécies, a paisagem acústica e detectar os impactos na região, além de proporcionar a criação de um grande banco de dados, na verdade um banco de vozes para pesquisas em longo prazo e monitoramento de áreas”, explica Simone Tenório, pesquisadora do IPÊ que coordena a frente de biodiversidade.
No início de fevereiro, pesquisadores do IPÊ realizarão o terceiro ciclo do rodízio de 90 gravadores já instalados para identificação de aves, anfíbios e morcegos em remanescentes florestais. Ao final do mês, quando voltarem à região, os pesquisadores terão registrado mais de 800 mil minutos de sons da biodiversidade, incluindo também as gravações realizadas em dezembro de 2020 e janeiro de 2021.
“Fizemos uma pré-seleção das áreas pensando em uma amostragem diversa relacionada à paisagem. Instalamos os gravadores dentro do Parque Estadual do Morro do Diabo e também em fragmentos florestais localizados em áreas próximas a pastos, canaviais, outras culturas e corpos hídricos. Tanto no primeiro ciclo da pesquisa quanto no atual utilizamos a mesma configuração nos gravadores, a cada 10 minutos eles registram 1 minuto de som”, diz Simone.
Com esse banco de dados, o IPÊ vai iniciar a análise no Arbimon (Automated Remote Biodiversity Monitoring Network). “Teremos mais informações sobre como a restauração florestal gera esse ciclo de restauração/recuperação dos serviços ecossistêmicos”, completa o pesquisador do IPÊ, Alexandre Uezu, coordenador das frentes de solo e água e que também assina o delineamento experimental do estudo. Arbimon é um sistema utilizado por pesquisadores de todo o mundo para tornar o processo de captura, armazenamento e identificação da vocalização (sons) da fauna mais simples para a pesquisa e ao mesmo tempo acessível a outros pesquisadores.
Segundo Leandro Barbieri, da área de Meio Ambiente da CTG Brasil, os resultados obtidos poderão indicar que investimentos em infraestrutura verde, como restauração de ecossistemas florestais nativos, podem reduzir custos operacionais de manutenção de reservatórios, dentre outros potenciais benefícios para a empresa e para a sociedade.
São parceiros do projeto a Fealq (Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz) da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), Universidade de Lavras e GVCes da Fundação Getúlio Vargas.

Identificação das espécies

Na fase 1, realizada entre 2015 e 2018, dentre uma grande diversidade de espécies da região, os pesquisadores decidiram focar no grupo funcional de dispersores de sementes (por conta da alimentação baseada em frutos) e identificaram 13 espécies, sendo que quatro ocorreram unicamente no corredor da mata atlântica (o maior corredor reflorestado no Brasil, uma iniciativa do IPÊ). São 1,2 mil hectares e 2,4 milhões de árvores que conectam as duas UCs: Parque Estadual Morro do Diabo e Estação Ecológica Mico-leão-preto, três espécies foram identificadas exclusivamente nas unidades de conservação e nos fragmentos menores. Apenas o sabiá-do-barranco (Turdus leucomelas) foi comum nos pequenos fragmentos e no corredor. Cinco espécies ocorreram em todos os ambientes estudados. 
Espécies do grupo funcional de dispersores de sementes que ocorreram unicamente no maior Corredor:  soldadinho (Antilophia galeata), risadinha (Camptostoma obsoletum), tico-tico-rei (Coryphospingus cucullatus), guaracava-de-barriga-amarela (Elaenia flavogaster).
“Vale destacar o soldadinho [Antilophia galeata], que necessita de boa qualidade ambiental para sobrevivência. O fato de identificarmos a espécie nessa área indica que o corredor possui boa qualidade e capacidade de suporte para essa espécie”, afirma Simone Tenório. 
Espécies do grupo funcional de dispersores de sementes que ocorreram apenas nas unidades de conservação e em fragmentos menores: juruva (Baryphtengus ruficapillus), araponga (Procnia nudicollis) e surucuá (Trogon surrucura).
Os fragmentos florestais são importantes para a manutenção de comunidades de aves proporcionando áreas de alimentação e repouso. Estudos apontam que o planejamento e o manejo adequado das propriedades rurais podem ser uma forma de restabelecer populações e restaurar serviços ecossistêmicos.
“Dentre as espécies vale ressaltar a araponga (Procnia nudicollis) na categoria de ameaçada como espécie vulnerável”, comenta Simone Tenório.
Espécies presentes em todos os ambientes estudados: fim-fim (Euphonia chlorotica), gralha-picaça (Cyanocorax chrysops), tucanuçu (Ramphastus toco), nei-nei (Megarynchus pitangua), bem-te-vi (Pitangus sulphuratus).

Ganhos com a pesquisa

Levantamentos como esse são essenciais para reconhecer se as áreas restauradas em questão estão se consolidando como florestas. Avanços nessa direção podem ser acompanhados por meio da oferta dos serviços ecossistêmicos que vão desde a dispersão de sementes pelos animais – o que contribui para o enriquecimento da própria floresta – até a regulação da qualidade e da quantidade da água também feita pela floresta. “As aves são excelentes indicadores da qualidade de um ambiente e dependendo das espécies que encontramos em determinada área temos informações estratégicas, por exemplo, o tucanuçu é importante por ser um eficiente dispersor e está entre as poucas espécies de aves que se alimentam de sementes grandes”.
Constatação de estudo simultâneo na mesma área na fase 1 vai exatamente nessa direção. Afinal, 12 espécies de árvores regenerantes não plantadas foram identificadas nas áreas monitoradas. “São espécies vegetais de dispersão zoocórica, isto é, feita por animais o que indica a importância deste serviço ecossistêmico no enriquecimento da restauração florestal”, esclarece a pesquisadora Simone Tenório. Segundo o relatório, essas 12 espécies apresentam sementes pequenas (menores que 1cm), dessa forma, todas as aves avaliadas no estudo têm o potencial de dispersá-las.  Para os pesquisadores, o enriquecimento natural dos plantios pelas aves pode contribuir de maneira expressiva com o resultado da restauração feita pelo homem, evitando a necessidade de complementação e reduzindo os custos a longo prazo.

Sobre o IPÊ

O IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas é uma organização brasileira sem fins lucrativos que trabalha pela conservação da biodiversidade do país, por meio de ciência, educação e negócios sustentáveis. Fundado em 1992, tem sede em Nazaré Paulista (São Paulo), onde também fica o seu centro de educação, a Escas (Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade).
Presente nos biomas mata atlântica, amazônia, pantanal e cerrado, o instituto realiza cerca de 30 projetos ao ano, aplicando o Modelo IPÊ de Conservação, que envolve pesquisa científica de espécies, educação ambiental, envolvimento e mobilização comunitária, conservação de habitats e da paisagem e apoio à construção de políticas públicas. Além de projetos locais, o Instituto também implementa trabalhos em diversas regiões, seguindo os temas Áreas Protegidas, Áreas Urbanas e Pesquisa & Desenvolvimento (Capital Natural e Biodiversidade).
O IPÊ é responsável pelo plantio de mais de 3 milhões de árvores na mata atlântica, contribui diretamente para a conservação de seis espécies de fauna, realiza educação ambiental e capacitação para 15 mil pessoas por ano, em média. Os projetos beneficiam 200 famílias com ações sustentáveis e conhecimento sobre conservação ambiental.
Para o desenvolvimento dos projetos socioambientais, a organização conta com parceiros de todos os setores e trabalha como articulador em frentes que promovem o engajamento e o fortalecimento mútuo entre organizações socioambientais, iniciativa privada e instituições governamentais.

Foto: IPÊ

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