Judicialização pode revelar baixa oferta de leitos

De acordo com promotor de Justiça, Marcelo Creste, assim como presos têm direito a pedir indenização por situação degradante, pacientes na fila também merecem

Embora dois casos de morte de idosos registrados nos últimos dias tenham fortalecido a discussão sobre a falta de leitos em hospitais de referência de Presidente Prudente, as reclamações populares recebidas pelo MPE (Ministério Público Estadual) já vêm de longa data, tanto que motivaram, em maio deste ano, a abertura de um inquérito para apurar o assunto. Para o promotor de Justiça, Marcelo Creste, diante do alto número de pessoas que são vítimas da “falha do serviço público”, a judicialização pode revelar ao Estado que é preciso investir mais na oferta de leitos. Ele cita como exemplo uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), proferida em fevereiro do ano passado, que concede ao preso submetido a uma situação degradante o direito de pedir indenização por direitos morais. “Nesse sentido, por que as pessoas que aguardam o atendimento emergencial adequado ou um exame também não podem?”, questiona.

O representante pondera que a saúde pública atingiu um ponto em que esse tipo de situação é encarado com normalidade. Desta forma, é preciso mais do que nunca entrar com ações contra o Estado, a fim de que este perceba que é muito menos oneroso garantir o leito aos pacientes do que responder processos indenizatórios. Marcelo toma como exemplo um paciente que sofreu AVC (acidente vascular cerebral) e, diante da falta de atendimento adequado, desenvolveu uma sequela que o torna inapto para o trabalho. “Ou seja, esse cidadão dependerá de uma pensão paga pelo Estado quando, mediante tratamento apropriado e em tempo, poderia estar retornando para o mercado de trabalho”, argumenta.

Para o promotor, é “absurdo” que o paciente não só encontre dificuldades para conseguir um leito, como aguarde um, dois ou três anos para obter a realização de uma tomografia, consulta de oftalmologia, mamografia, entre outros. “Este é um viés de normalidade que precisa ser rompido”, considera.

Um dos primeiros passos dados pelo MPE, nesse contexto, foi a abertura do referido inquérito, o qual se encontra em fase de diligências junto aos órgãos competentes. Marcelo explica que, a partir dos dados levantados, será possível identificar quantos foram os casos recebidos por UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) em que não houve a liberação de leitos, se foi feita de forma tardia, se o paciente ficou mais de 24 horas dentro da unidade de saúde antes da obtenção, bem como o total de leitos necessários para atender a demanda populacional, quantos realmente existem, se este número é suficiente e se houve o aumento dele nos últimos anos.

O representante expõe que algumas respostas já foram recebidas, enquanto outras estão pendentes, uma vez que não envolvem apenas os departamentos de Prudente e região, como também da capital paulista. Sendo assim, acredita ser cedo para prever se o MPE ajuizará uma ação civil pública ou estudará um TAC (termo de ajustamento de conduta), por exemplo. Só depois que todo o material for coletado é que o órgão ministerial pensará em soluções para o caso, tendo em vista que não requer apenas a exigência de novos leitos, mas medidas mais profundas.

Casos relacionados

Em Prudente, as duas mortes registradas em menos de uma semana possuem algumas semelhanças que chamam a atenção. Isso porque ambos os idosos passaram por atendimentos na UPA do Conjunto Habitacional Ana Jacinta, foram diagnosticados com uma situação clínica grave e morreram na espera por uma vaga nos hospitais de referência do município. De acordo com a Prefeitura, o caso mais recente ocorreu na quinta-feira da semana passada e se deu porque a UPA teria sido informada de não haver mais leitos disponíveis para atender a idosa Enedina Lima de Barros, cuja idade não foi divulgada.

O DRS-11 (Departamento Regional de Saúde) afirma que, neste caso, a paciente foi inserida no Cross (Central de Regulação e Ofertas de Serviços de Saúde) na busca por uma vaga, mas devido à instabilidade do quadro, morreu horas depois da inclusão no sistema. “É importante deixar claro também que apenas a disponibilidade de vagas não é suficiente para que um paciente seja transferido. É necessário que ele apresente condições clínicas de ser transferido, com quadro estável e livre de infecções”, completa.

No dia 12 de agosto, João Batista, 63 anos, morreu enquanto aguardava pela disponibilidade de vagas em hospitais de referência, que são o HR (Hospital Regional) Doutor Domingos Leonardo Cerávolo e a Santa Casa de Misericórdia, posto que, em função da gravidade do seu estado de saúde, precisaria ser transferido da UPA. Conforme noticiado na ocasião por este diário, o idoso deu entrada na unidade entre o fim da madrugada e o início da manhã de sábado, segundo o secretário municipal de Saúde, Valmir da Silva Pinto. Entretanto, mesmo com todo o atendimento “que estava ao alcance”, faleceu em virtude do caso clínico considerado grave antes de conquistar uma vaga.

Quatro dias depois, conforme a Prefeitura, após a UPA atender a paciente Enedina e constatar um quadro “instável e grave”, a unidade solicitou, na manhã de quinta-feira, a transferência dela para um dos hospitais de referência do sistema Cross, o que não ocorreu. “A gerência da UPA foi informada que não havia leitos disponíveis. Apesar de todos os esforços da equipe médica e multiprofissional, devido à gravidade do caso, a paciente faleceu na noite de quinta-feira”, esclarece a administração.

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