Justiça condena Dirceu Gravina a pagar indenização de R$ 1 milhão por torturas no regime militar

Delegado aposentado, que mora em Prudente, atuou nas dependências do DOI/Codi, órgão de repressão do governo brasileiro na década de 1970

PRUDENTE - DA REDAÇÃO

Data 30/01/2023
Horário 14:12
Foto: Thiago Vilela/CNV
Dirceu Gravina durante depoimento à Comissão Nacional da Verdade em 2014
Dirceu Gravina durante depoimento à Comissão Nacional da Verdade em 2014

A 7ª Vara Cível Federal de São Paulo condenou o delegado aposentado da Polícia Civil em Presidente Prudente, Dirceu Gravina, ao pagamento de indenização no valor de R$ 1 milhão, a título de dano moral coletivo, por participação direta ou indireta em tortura e mortes ocorridas em dependências do DOI/Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), na década de 1970. A sentença, de 18 de janeiro, é da juíza federal Diana Brunstein. 

Além dele, também foram condenados os ex-delegados Aparecido Laertes Calandra e David dos Santos Araújo.

A magistrada observou que a tortura já era vedada pela Constituição de 1969, então vigente, “o que torna ilícitas as condutas praticadas pelos corréus, ainda que ‘institucionalizadas’ no âmbito das organizações criadas para a manutenção do regime militar”. 

A condenação foi requerida pelo MPF (Ministério Público Federal) em ação civil pública na qual foram transcritos relatos das pessoas submetidas à tortura.  

“Reconheço, a partir da prova produzida nesses autos, em especial documentação carreada e relatos das vítimas, que os corréus, investidos de poder estatal e na medida das condutas descritas, causaram indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”, afirmou a juíza federal. 

Para ela, as provas documentais apresentadas pelo MPF comprovaram o vínculo dos réus com a estrutura do DOI/Codi e o envolvimento nos atos de tortura, homicídio e desaparecimento das vítimas citadas na ação. 

Diana Brunstein levou em conta a gravidade do dano e a necessidade de reparação histórica. “O valor estipulado toma em conta, num primeiro momento, o relevante interesse social lesado. Numa segunda fase, em conta as condições financeiras e conduta dos autores dos ilícitos”, pontuou. 

A sentença determina que o dinheiro seja destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, instituído em 1985 e vinculado ao Ministério da Justiça. 

Vítimas de Gravina

Em relação aos atos perpetrados por Dirceu Gravina em face das vítimas, a sentença cita, a título de exemplo, a tortura contra Lenira Machado, presa em 13 de maio de 1971, em São Paulo (SP). Ela era militante política pelo PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores). Segundo o documento, na primeira vez em que foi interrogada, lhe pediram para que tirasse a roupa. Ela negou e, então, Gravina e mais dois homens rasgaram toda a sua roupa, lhe restando apenas um casaco e um lenço no pescoço. Foi com essa vestimenta que permaneceu por pelo menos 45 dias de prisão. Após ter sido despida à força, lhe penduraram num pau de arara e começaram os choques elétricos.

Gravina sentou-se em um dos cavaletes onde ela estava. Quando Lenira berrava, ele lhe jogava salmoura na boca ou água pelo nariz e sal na boca. Ela conseguiu liberar uma de suas mãos e abraçou Gravina logo após um choque. Ele caiu por sobre a depoente, bateu a cabeça no outro cavalete, provocando um grande corte no rosto, na região do nariz. Gravina se retirou e, depois, lhe contou que foi ao Hospital Militar e que tinha levado pontos no nariz por causa dela. Quando retornou, amarraram-na novamente no "cano" e as sessões de tortura recomeçaram. Dessa vez, havia um homem mais alto que Gravina. Os dois seguraram nas extremidades desse cano, levantaram-no e, quando Gravina contou até três, eles a jogaram no chão. Nesse momento, ela e eles perceberam que havia ocorrido uma lesão na coluna. Sua cabeça tombou para o lado direito, que ficou paralisado. As sessões de tortura continuaram mesmo após essa lesão.

O marido de Lenira, Altino Rodrigues Dantas Junior, também é apontado como uma vítima de Gravina. Durante o regime militar, foi preso dezenas de vezes em razão de sua militância no movimento estudantil. O declarante foi torturado por 32 dias e sofreu afogamento, pau de arara, choques elétricos, entre outras formas de tortura. Dirceu Gravina era descrito como o pior torturador. No último dia em que viu outra vítima, ouviu Gravina dizer: "acabamos de matar seu amigo, agora é a sua vez".

Em 2014, durante uma audiência da CNV (Comissão Nacional da Verdade), na capital paulista, Dirceu Gravina negou ter torturado presos nos anos da ditadura.

A reportagem tenta contato com o ex-delegado para que ele tenha a oportunidade de se manifestar a respeito da condenação. Esta matéria está, portanto, sujeita à atualização com o posicionamento.

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