Meu fundo de quintal imaginário

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 26/02/2023
Horário 05:00

Sempre que me dá uma tristeza, eu fujo para o fundo do quintal. Tiro os sapatos. Molho as plantas. E a minha imaginação vai longe. Eu me reconecto com o fundo do quintal da minha avó mineira. Ali havia um galpão separado do corpo principal da casa com dois tanques grandes, fogão à lenha, caixa d´água independente e uma “tuia” (quartinho de dispensa para entulhar tudo quanto é tipo de coisas – arroz e feijão à granel, ferramentas de jardinagem, facões, serrotes e martelos, etc).  
No galpão eram realizadas diversas tarefas domésticas. A roupa de cama e toalhas de banho eram fervidas com anil em imensos caldeirões e depois colocadas para quarar (clarear pela exposição à luz do sol). O galpão também se transformava numa grande cozinha para retirar a palha das espigas e ralar o milho para fazer pamonha caseira (que delícia!).  
Era impressionante o estoque de alimentos na “tuia”. Além das latas de grãos, havia uma grande quantidade de canela em casca que durava vários anos, assim como diversos tipos de pimentas em conserva. E também a famosa carne na lata, que era a carne de porco preservada na banha e consumida durante meses. Água fresca mesma era a do pote de barro (ou de moringa, como preferir), com suas misteriosas propriedades de conservar a água a uma temperatura menor do que a do ambiente, tornando-a mais agradável para ser saboreada.
No meio daquelas coisas e ambientes de trabalho permeava muitas experiências interessantes. Amizades muito antigas entre vizinhos. Amor materno por todos os lados. Sentido de comunidade marcado pelos afazeres domésticos. O irmão da minha avó morava ao lado dela e havia um portão no fundo do quintal que ligava os dois terrenos por onde havia muitas trocas: um pedaço do bolo de fubá que acabou de sair do forno, frutas colhidas dos pomares, novidades que acabaram de chegar das ruas.
Talvez esteja ali a chave da sociabilidade perdida pelas rotinas desalentadoras que nos são impostas pelo mundo digital. Não foram nas ferramentas de busca da internet que desenvolvi as aptidões necessárias para cultivar a paciência de estar com pessoas diferentes, diante da inconclusividade dos encontros, da fala e do estar com os outros. Eu não acredito que nada disso possa existir de modo significativo no ambiente tóxico, competitivo e individualista das redes online, onde se disseminou a cultura da intromissão e da hiper-exposição das bolhas concebidas por meia dúzia de corporações. Hoje você já cuidou de suas plantas? Visitou seu fundo de quintal imaginário? 
 

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